Renata CCS 29/03/2014Uma leitura que não aguçou os sentidos.
"É que o perfume denuncia o espírito
Que sob as formas feminis palpita...
Pois como a salamandra em chamas vive,
Entre perfumes a mulher habita."
(José de Alencar)
Ambientado na França do século XVIII, O PERFUME conta a história de Jean-Baptiste Grenouille, dono de um olfato apurado, péssima aparência e de poucas falas, ele descobre nos cheiros e aromas do mundo o sentido de sua existência. Rejeitado desde seu nascimento, quando foi abandonado pela mãe junto a restos de peixes em um mercado, também é uma pessoa que não exala cheiro, que não se emociona, que cresceu como um animal que “fareja”, e que não apenas desconhece os nomes dos odores que identifica, mas também de tudo aquilo que se constitui humano. É ainda muito jovem quando descobre ser dotado de uma sensibilidade olfativa fora do comum e impressionante percepção de pequenas e determinantes sutilezas ignoradas pelos homens. Consciente do gigantesco poder que detém nas mãos, Jean-Baptiste parte em busca do perfume absoluto, a essência perfeita que lhe permitirá seduzir e dominar qualquer pessoa. E é assim que o assassino vai sendo forjado: sem conhecer o certo e o errado, totalmente amoral e tomado por uma obsessão que o leva a roubar a essência dos corpos de suas vítimas. Um personagem assustadoramente ambíguo: um autêntico selvagem com alma de artista. Um indivíduo sem cheiro, atrativos ou alma.
Fenômenos de massa costumam me deixar com o pé atrás, tamanho o desapontamento que toma conta de mim quando não consigo evitar a desolação diante das elevadas expectativas. Mais do que a simples história de um assassino, O PERFUME é uma viagem pela alma perturbada de um homem dotado de percepções adversas e surreais. Para mim, a experiência desta leitura foi como experimentar um sonho insólito. A narrativa de Patrick Süskind é detalhista e rica em associações olfativas e visuais, uma extensa descrição de aromas. Para qualquer pessoa que tenha dificuldade em descrever cheiros, este livro nos fornece todos os adjetivos que podem ser usados para esta finalidade. Neste aspecto, o autor supera qualquer capacidade de descrição. Porém, tirando este largo aproveitamento de adjetivos, o livro não conseguiu me cativar. É um enredo original, uma mistura de realidade e fantasia, com acontecimentos cruéis e delicados, mas não é um tipo de escrita comum ou um enredo de gosto universal. Infelizmente a interessante premissa do livro perdeu-se em determinado momento, quando o protagonista me pareceu muito mal explorado dentro de suas amplas possibilidades. A meu ver, tornou-se um personagem extremamente caricato. E o pretenso suspense criado foi, para mim, uma narrativa cansativa, arrastada, confusa e desmotivante, sem mencionar seu final bizarro. Não encontrei algo que me fizesse apaixonar pelo livro e devorá-lo. Talvez me falte sensibilidade necessária para compreender o que escapa a lógica dura, já que cheiro é o que mais temos de primitivo e irracional em nós, e que o universo do olfato tem um alcance instintivo, onde a racionalidade só entra depois. Em resumo, não vi em nenhum momento algum elemento que me instigasse ou que me fizesse sentir não só todos os cheiros, mas a agonia de não tê-los.
Para muitos, é um livro que convida a muitas releituras, revivências e reinterpretações Para mim é apenas perfeitamente esquecível e uma categoria de leitura que nunca será unanimidade.
Resenha originalmente publicada em 20/01/2014.