Nandsland 25/03/2024
Eu me envolvi muito com a escrita da R. F. Kuang com a trilogia da Guerra da Papoula, ela, ao meu ver, se mostrou uma autora que consegue trazer reflexões de problemas reais e atuais em fantasias com uma bagagem teórica muito grande. Vejo sempre um tom crítico em tudo que ela escreve então eu nem pensei duas vezes em ler seu novo livro. Não sabia muito sobre o que era e nem procurei saber, a única coisa sabia é que seria algo meio dark academia.
De maneira meio contraditória, acho que todo mundo deveria ler este livro, mas não acho que esse livro é para todo mundo. Não existe aqui um apelo romântico, por exemplo. Na verdade, acho que para além de nos fazer refletir sobre xenofobia e eurocentrismo, nos faz pensar muito sobre a normalização da violência implícita que existe em algumas relações humanas. E o implícito nem é necessariamente ligado ao oculto, mas que acontece com tanta frequência, de maneira tão rotineira, que é muito comum relegar ao nada. Então, em minha opinião, é um livro que toca onde dói. É difícil não pensar em relações parentais, em que pessoas fazem tanto por nós, assim como em relações de amizade, com aquela pessoa com quem vivemos tanto, mas que mesmo que até certo ponha reconheça seu privilégio, se mostra incapaz de enxergar a ausência dos privilégios das pessoas ao seu redor, e consequentemente, o nosso.
Aqui acompanhamos vários anos de vida de um jovem que vai adotar o nome de Robin Swifit. O livro começa em Cantão, na China, com o futuro jovem Robin enquanto criança acompanhado do corpo da sua mãe morta, em decorrência de alguma doença epidêmica do momento, da qual, o futuro Robin já começa a apresentar sintomas. É assim que ele é resgatado por um homem branco que o cura da doença e oferece a se tornar tutor dele, nesse cenário Robin teria casa, comida e a oportunidade de estudar, sendo este último o único preço que o homem cobra para levá-lo consigo.
Robin que entende inglês é levado para Inglaterra tutelado por esse homem onde é criado e educado até ter idade para se candidatar a uma bolsa em Oxford, uma oportunidade de muito prestígio, a qual ele consegue. Então ele se muda para a universidade onde conhece outros dois estudantes imigrantes e seu grupo de amigos por todo o livro, uma mulher negra, uma outra jovem mulher branca e um rapaz marrom. Todos os quatro então começam a ter experiências bem diferentes dentro da universidade e Robin principalmente é confrontado com a ideia de que mesmo que saiba inglês fluente, more no país desde criança, consiga se passar por um jovem branco e se sinta inglês de maneira geral, não é assim que os próprios ingleses o veem.
E é assim que acompanhamos Robin ir crescendo, estudando e se dando conta de um outro lado da sua vida que ele sempre sentiu, mas que ele nunca conseguiu elaborar e questionar algumas das suas relações com algumas pessoas e a sua realidade. E descobrir até que ponto ele consegue relevar algumas situações que lhe acontecem e que acontecem com as pessoas ao seu redor. Qual o limite de desconforto que é necessário aguentar até que se torne tão insuportável que não temos escolha a não ser fazer algo sobre isso?