Xandy 30/05/2024Tradução é um ato de traição?O Senhor desceu para ver a cidade e a torre que estavam a levantar. “Vejamos se isto é o que eles já são capazes de fazer; sendo um só povo, com uma só língua, não haverá limites para tudo o que ousarem fazer. Vamos descer e fazer com que a língua deles comece a diferenciar-se, de forma que uns não entendam os outros.”
E foi dessa forma que o Senhor os espalhou sobre toda a face da Terra, tendo cessado a construção daquela cidade. Por isso, ficou a chamar-se Babel, porque foi ali que o Senhor confundiu a língua dos homens e espalhou-os por toda a Terra. - Gênesis 11:1-9.
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Existem livros que contam histórias e livros que contam HISTÓRIAS. Babel definitivamente é o segundo caso. E é um caso bem específico de uma história extraordinariamente bem pensada e desenvolvida, com um amplo embasamento histórico e linguístico.
Babel é meu primeiro contato com a escrita da R.F. Kuang. Ainda não consegui ler a trilogia de A Guerra da Papoula, porém após essa experiencia, com toda a certeza eu irei ler. Ao mesmo tempo que esse livro também serviu como minha primeira experiência com a ficção especulativa.
Kuang consegue construir uma história poderosa e necessária sobre o colonialismo, escravidão, exploração e o poder da língua. É lindo ver à medida que acompanhamos o desenvolvimento o quanto somos confrontados com ideias enraizadas em nossa cultura e como sangramos outras culturas e regiões para beneficiar apenas a nós mesmos. Babel é aquele tipo de livro que te fará pensar e rever diversos conceitos e pré-conceitos que temos e esquecemos que estão lá.
Porém, para além disso tudo, o livro é uma grande aula sobre linguística e letramento. Fazia anos que havia visto um livro com tantas notas de rodapé (para além de textos acadêmicos). Cada uma dessas notas é tão rica quanto o texto principal e em vários momentos extremamente necessárias.
O cenário de Babel é a Londres de 1830, durante a Revolução da Prata. Aqui barras de prata mágicas (não no sentido de magia que estamos acostumados) moldaram a sociedade e transforaram a Grã-Bretanha em um grande império que se alimenta de suas colónias e as explora até conseguir o que quer: mais prata. No centro de tudo isso fica Babel, o imponente centro da tradução responsável pela criação e manutenção das barras de prata, através da exploração de línguas estrangeiras.
É difícil tentar traduzir a sensação que é ler Babel. Parece que quanto mais falo sobre o livro, mais tenho a dizer. Nunca é o suficiente e sempre haverá mais coisas a serem ditas. Porém eu resumo tudo a uma simples afirmação: Babel é muito mais do que um livro, é uma experiência literária que precisa ser lida e apreciada por todos.