Raphael 24/02/2024
A banheira insalubre
Encontrei este livros nas prateleiras de uma livraria em São Paulo. A capa e o selo "Clube do Crime" foram justificativas que, no calor da hora, pareceram-me suficientes para justificar a compra. A sinopse é bem interessante: um corpo encontrado numa banheira, sem muitos detalhes ou evidências. Embora mortes na banheira estejam presentes no imaginário do mundo real, sobretudo o das celebridades, tal mote não possui lastro considerável nas obras da ficção. Uma condição sui generis, de fato, para uma trama que se revelou um tanto quanto banal.
As primeiras páginas da obra criam uma atmosfera de suspense intrigante, condizente com os elementos paratextuais que acenderam minha curiosidade. Porém, o decorer do livro é insosso, com uma barriga descritiva que, se por um lado tenta trazer diferentes peças para esse jogo de xadrez, nunca faz movimentos decisivos. Peões dançam, enquanto as peças-chave aguardam sua vez.
Dorothy Sayers tenta reinventar a organização de elementos do romance policial. Assim, temos uma breve apresentação do detetive, uma descrição do crime da banheira, referências a um possível segundo crime que se "articula" à história de modo brusco e, só então, a presença dos personagens (a.k.a. possíveis suspeitos) por meio de diálogos afetados, distendidos e elitistas. É a futilidade da aristocracia, a high life reclamando de bailes e peças de teatro, mas sem a perspicácia e o olhar irônico de uma Agatha Christie. Nessa reestruturação, o âmago do romance parece se perder.
A falta de carisma dos personagens também é um contratempo. Os suspeitos parecem muitos alheios entre si, sem uma rede de conexões clara e verossímil. São todos mal contextualizados, sem motivações aparentes. Isso vale até mesmo para o detetive aristocrata Lorde Peter Wimsey, que se envolve no mistério por mero capricho e tédio. Discordo fortemente de Samir Machado de Machado, que escreveu o posfácio (um dos mais fracos que li recentemente). Se de fato o "charme" de uma boa história de mistério é o detetive, Wimsey está longe do intelecto de um Holmes e da excentricidade de um Poirot. A psicologia dele tem a profundidade de um pires. Até tentaram dar-lhe um background trágico envolvendo a Primeira Guerra Mundial e um amor perdido. Só que essas informações não estão centralizadas na obra - são matéria de nota da edição.
O verdadeiro culpado do crime é bem previsível. Sua motivação é fraca e a confissão, inverossímil - assim como os esforços que fizera para ocultar o cadáver. A descrição de um homem carregando um corpo pelo telhado de modo inscospicuo na calada da noite sem ser notado é o limite da minha suspensão da descrença. É perceptível o esforço de Sayers em fazer, por meio do personagem, a dissecção da mente de um psicopata. Contudo, a carta de confissão é uma forma escusa de caracterização. Há mais fetiche pelos detalhes objetivos que explicam como o corpo foi parar na banheira do que sondagem psicológica propriamente dita.
Por esses motivos, considero esta uma das piores experiências de leitura que já tive com um romance policial. Quero continuar me aventurando pelos exemplares da coleção "Clube do Crime" (uma iniciativa louvável que traz ao Brasil nomes ilustres das narrativas detetivescas). Quanto a Dorothy Sayers e seu Wimsey, uma medida protetiva, por ora, viria a calhar - com auxílio insalubridade para banheiras potencialmente mortíferas.