Ley 25/10/2023Bastante promissorClassificação indicativa: +14
A Bruxa Negra é um livro que flui super bem, tem uma riqueza cultural enorme, mas isso é apresentado vagamente no início, por conta da perspectiva que o leitor tem. Elloren é uma gardneriana, um povo que venceu a guerra mais recente, e que atualmente oprime os outros povos e suas diferentes culturas, sob o pretexto de que são uma raça superior, portanto devem estar acima de todos.
Leva um tempo para entender todo o contexto e como o mundo deles foi moldado para que se transformasse nisso. Elloren perdeu seus pais na guerra e foi criada junto com seus irmãos pelo seu tio em um lugar pequeno e afastado. Quando completa 17 anos, sua tia, também membro do conselho de seu povo, insiste em levá-la para a cidade para fazer um laço de varinha, que é o equivalente a se ligar a um companheiro pelo resto da vida.
O tio da garota não quer essa possibilidade, porque acredita que o laço não precisa ser imediato, e ela pode escolher seu companheiro quando se sentir à vontade. Isso é o mais lógico a se fazer, mas pela ordem das coisas e pelo que é costume dentre eles, o laço de varinha é quase obrigatório, e a garota que não o tiver é vista como uma rejeitada. É claro de início que a vontade de uma mulher não é levada em consideração, o que é irônico, já que a tia da protagonista tem voz no conselho, embora ela tenha esse poder por ser uma pessoa que defende o conservadorismo. Meu asco pelo povo de Elloren foi aumentando a cada página que eu lia e os conhecia melhor.
Apesar de viver afastada, a protagonista acompanha a tia para passar uns dias com ela, e logo depois irá adentrar a universidade. O ingresso em estudos é raro para mulheres, mas é uma escolha que o tio quer dar a Elloren como mais uma oportunidade. O tio da protagonista é, a meu ver, uma das únicas pessoas com a cabeça no lugar, mas infelizmente ele é visto como alguém inferior por tais pensamentos "absurdos". Mesmo que a protagonista tenha um destino direcionado desde o início, que começa com a permanência com a tia e logo depois para a universidade, ainda demora para que chegue a esse destino final.
Eu pensei, de verdade, que a história teria um impulso maior assim que Elloren chegasse na universidade, mas não é assim que a narrativa é conduzida. Fui surpreendida com um livro cheio de detalhes, onde quer que a protagonista passe, ela conhece coisas novas e os acontecimentos vão mudando seus pensamentos. É preciso entender que Elloren sempre viveu reclusa, então ela conhece pouquíssimo sobre a história de seu povo. Tudo o que ela sabe é que as outras raças são inferiores, mas não entendia a extensão da influência de seu próprio povo, nem que ela faz parte de uma família que é aclamada pela sua avó ser algo como uma heroína, por ter sido extremamente poderosa, e ter oprimido um contingente enorme de criaturas.
A jornada da Elloren começa logo que sai de casa, e pensei que me afeiçoaria a ela quando a mesma visse a verdadeira realidade entre as raças. Contudo, o mundo que visita é tão novo pra ela quanto é para nós, leitores, portanto a mudança que Elloren começa apresentar não é de todo bem vinda, já que suas interações são apenas com o seu próprio povo, absorvendo a ideia de que eles são superiores, e tendo a percepção de que qualquer outra raça é inferior. Mas apesar disso, os dias logo passam, e suas noções começam a ter mudanças consideráveis.
Dá para notar o quanto a sociedade é empenhada em criar uma visão pré-estabelecida de seu próprio povo, cimentando isso ainda mais com a presença da religião para embasar todo e qualquer tipo de repreensão sobre aqueles que não são bem vistos, e considerados inferiores. Dito isso, para a protagonista, as mudanças acontecem, mas nem todas são para seu próprio bem.
A realidade de Elloren é mais impactada quando chega na universidade, tendo experiências que a mudarão para sempre. Achei impressionante a condução dos acontecimentos para que a protagonista tivesse impactos consideráveis em sua própria vida, e logo percebi que a autora foi extremamente minuciosa apresentando cenários bastante detalhados. Não achei que a intenção fosse "enrolar" a história para que durasse mais, mas sim desenvolver bem cada cena, para que tivéssemos um panorama amplo desse universo.
Com o passar das páginas, personagens são inseridos aqui e ali, e eles passam a fazer cada vez mais parte da narrativa, gradualmente ganhando importância. Além de todo o contexto cultural e as diferenças entre raças, existe também as diferenças hierárquicas entre os gardnerianos, com base no quanto de magia a pessoa tem. E como a magia é mais proveniente do sexo masculino, logo eles são intencionados a acreditar que são melhores do que qualquer um.
O livro tem um problema principal pré-estabelecido: um grande mal que chegará para os gardnerianos, mas isso será combatido pela próxima Bruxa Negra. Lembrando que a Bruxa Negra anterior, era avó de Elloren, que foi uma das maiores bruxas que já existiu, e tem uma linhagem considerada sagrada, portanto a ideia de pureza para família da protagonista é ainda mais rigorosa. Ainda assim, Elloren não aparenta ter nenhum tipo de poder, mesmo que sofra constantes ataques por aqueles que acreditam na profecia.
Esse é um livro enorme, mesmo assim ele é bastante introdutório, porque tira protagonista de um ambiente confortável, e a transporta para uma realidade distante de sua antiga vida, porém totalmente necessária para entender o que se passa no mundo real, e isso é primordial para fazê-la decidir suas próximas ações, escolhendo de qual lado vai ficar. Para isso, ela precisará ser forte, e também rever tudo o que tenha aprendido sobre o próprio povo.
Elloren, infelizmente, não me cativou no início, e passei mais da metade do livro receando dela porque alguns fatos estavam bem na sua frente, ela só precisava notá-los, mas optou pelo caminho mais fácil, acreditando na receita pronta apresentada para o povo. Eu esperava uma protagonista determinada, que iria entender de cara, pelo modo como foi criada, que nem tudo era tão simples ou tão preto e branco quanto estavam querendo que ela acreditasse. Mas isso leva tempo, e no final já tinha outra opinião sobre Elloren, e queria dar outra chance à ela. Algumas coisas demoraram para acontecer, mas acredito que isso está sendo reservado para o segundo volume. Como já estou habituada ao ritmo do livro, vou esperar que o próximo continue sendo bem desenvolvido no mesmo nível de detalhes, e ofereça embates importantes, já que esse livro preparou bem o terreno, deixando a tensão entre os gardnerianos e os outros povos no limite.
Espero também finalmente entender como a magia está ligada à protagonista, e como suas relações com os demais personagens irão proceder diante do cenário crítico. Também tenho esperanças em ver um rumo mais concreto com os interesses amorosos da protagonista, enquanto o livro dá a entender que é um triângulo amoroso em ação. Não é meu tipo de romance favorito, mas queria muito uma decisão ou um direcionamento por parte da protagonista.
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https://www.imersaoliteraria.com.br/2023/10/resenha-cronicas-da-bruxa-negra-livro-1.html