Bruna.Ceccato 16/02/2024
Divisor de águas da minha vida
O conteúdo deste livro é riquíssimo e essencial a todas as mulheres!
A autora traz com muitos detalhes sobre o inicio das religiões patriarcais, que destituíram a Deusa e a substituíram pelo deus masculino, um processo longo e regado de violência.
Nos foi tirado nossa autonomia sobre nossos modos de pensar, nossa cultura, nossas crenças, nossos corpos e nossas vidas, e até hoje mesmo que vivemos em um mundo mais instruído e "liberto", sofremos com reflexos dessa apropriação.
O único ponto negativo que posso destacar do livro (não somente desse, mas também de vários sobre teoria feminista), é que muitas vezes a leitura se torna maçante devido as referencias de informações. Isso dificulta pessoas mais leigas e até mesmo mulheres que não possuem tempo para seguirem adiante. Porém agradeço a autora de nesses momentos ter colocado ao final dos capítulos um resumo, que sintetiza essas informações mais acadêmicas, e torna possível seguir adiante no conteúdo.
"História das mulheres é a principal ferramenta para a emancipação das mulheres."
---Gerda Lerner
Sobre o Conteúdo em si, a autora primeiro traz algumas questões fundamentais que irá aprofundar ao longo do livro. Primeiramente, como de fato aconteceu? Como os homens adquiriram esse controle? O que mais podemos esperar em uma sociedade que durante séculos ensinou crianças, meninas e meninos, que uma deidade MASCULINA criou o universo e tudo o que ele contém, criou o HOMEM à sua imagem e semelhança, e depois, como quem pensa melhor, criou a mulher para obedientemente ajudar esse homem em seus projetos? (pag15 - prefácio)
Para responder essas perguntas a autora traz uma analise e reconstrução de muito antes de as três religiões surgirem (cristianismo, islã e judaísmo). É necessário ir ao passado e entender os processos que envolveram a criação dessas teologias, e muito antes disso para entendermos como era a Deusa e como ela influenciava a cultura dos povos que a cultuavam. (Recomendo muito a leitura de A criação do Patriarcado da Gerda Lerner, pois ambos os livros são complementares, apesar de as autoras não se citarem em suas obras).
Toda a histórias das religiões da Deusa tem sido constantemente diminuídas e apagadas pelos historiadores, o que tornou o trabalho da autora uma verdadeira pesquisa de anos. Como ela mesmo relata, eram pequenos fragmentos que ao longo de seus estudos foram montando o quebra-cabeças total. Tanto o esforço por parte das religiões masculinas quanto os vieses machistas dos historiadores foram diminuindo essa cultura a algumas notas de rodapé muitas vezes, descrevendo-a de modo completamente equivocado. Por exemplo, as sacerdotisas que cuidavam dos templos passaram a ser descritas na história como prostitutas, uma tentativa de desmoralizar quem não cultuava o deus masculino.
Arqueólogos rastrearam a adoração a Deusa até as comunidades do neolítico, em torno de 7.000 ac e algumas do paleolítico superior, perto de 25.000 ac. (pag37) Se as informações do paleolítico estiverem corretas, seriam em torno de 24.500 de adoração até o surgimento do cristianismo. A Deusa possuía diferentes nomes nas várias regiões que a adoravam, porém em sua essência podemos concluir que era a mesma deidade. Muito do desenvolvimento da cultura humana se deu em seus templos, que eram o centro da vida em comunidade, trazendo formas de as pessoas desenvolverem a escrita, a agricultura e segurança para as pessoas. Por isso era atribuído a Ela a invenção da agricultura, a invenção da escrita. A Deusa era adorada como grande curadora e médica, como a primeira a estabelecer leis de justiça na terra.
Quando os povos indo-europeus passaram a invadir as comunidades da Deusa em ondas de migração, encontraram centros muito avançados e prósperos. (períodos de aproximadamente mil anos de ondas). Nesse momento, apesar de se considerarem superiores, sua cultura era realmente pobre em comparação às que eles dominavam pela força.
A autora demonstra que as criações de mitos que explicam a criação do universo pela deidade masculina teve motivo político, uma forma das tribos invasoras tentarem justificar e manterem seus conquistados em seu poder. Infelizmente sabemos onde isso nos trouxe. De sociedades mais igualitárias onde mulheres eram parte importante da vida religiosa e comunitária, passamos a viver no mundo de hoje, onde nos tornamos a costela de Adão ( vindas de uma parte insignificante), condenadas a sermos filhas de Eva, uma pecadora, a responsável pela decadência da humanidade.
Não vejo como as mulheres conseguem ignorar a má influência que vivermos em um mundo cristão traz para nossas vidas. (Isso que o cristianismo seria a opção "menos pior"). Como vocês podem adorar e ainda viverem para nossos maiores algozes? Se você acha nostálgico, se você tem boas lembranças da catequese, pare pra pensar. Cristianismo não é só rezar santo anjo e ave maria. É proposital que não se ensine sua verdadeira teologia na formação de crianças, afinal quanto mais se sabe sobre o que eles acreditam, menos queremos fazer parte. (...)o homem não foi criado por causa da mulher, mas a mulher por causa do homem. Sabe onde isto está escrito? I Coríntios 11:3,7,9.
Paulo, seu grande fundador declarou categoricamente. Seus criadores removeram a mulher até da verdade biológica, precisaram que o homem cultuasse um deus que cria as coisas do "verbo" pois precisavam apagar todo e qualquer protagonismo biológico, onde era necessário negar que homens nascem de mulheres.
Como nós enquanto mulheres ainda nos deixamos guiar por essa teologia? Essa é a minha pergunta sincera a todas as mulheres, porque vocês ainda se subjugam voluntariamente, mesmo sabendo que tudo que veio dessa deidade masculina é ferramenta para nossa opressão?
Não estou sugerindo um culto a Deusa, mas estudem mulheres. Porque a teologia cristã é misógina em sua base. Eles odeiam mulheres e não escondem, vocês que ficam se iludindo e fechando os olhos a realidade. Esses homens odiavam que o culto a deusa dava dignidade para as mulheres, e criaram uma trama que naquela época as subjugou pela força. Mas nem eles eram capazes de imaginar que hoje vocês fazem isso voluntariamente, acreditando piamente que o deus homem é capaz de amar vocês. Abram uma bíblia que a verdade irá se escancarar.
Nós não somos uma costela torta. Nós não somos Eva, sequer suas descendentes. Chega desses padrões ditarem como devemos viver nossas vidas. Não somos pecadoras, muito menos condenadas. Somos à semelhança de nossas ancestrais que cultuavam a grande Criadora da Vida.