chuwanning 01/03/2024
Contém detalhes do worldbuilding do livro pra quem não entendeu, mas não tem spoiler
Eu passei dez dias lendo a soul to keep, com calma, sem pressa, porque além de ser um livro longo o ritmo é lento, então tive tempo de pensar nas coisas antes de fazer resenha.
a premissa é: Reia é considerada uma azarona pé frio pelo povo dela porque a família dela foi morta por um demônio e só ela sobrou, portanto, isso por algum motivo é considerado ruim por aquele bando de gente burra. quando o duskwalker que protege aquela região vem buscar uma oferenda, eles entregam a coitada da Reia como uma noiva pra ele. alguns fatos básicos que você já sabe desde o começo: o duskwalker já teve outras noivas antes, mas todas morreram, a Reia é a décima nona, e o duskwalker leva ela pra viver com ele.
começando com o básico da construção de mundo: este mundo é o nosso, porém num futuro distópico-mágico, com demônios que passaram por um portal e dominaram a terra, logo nós vemos a Reia usar o termo síndrome de estocolmo, citar A bela e a Fera, algumas coisas. onde a Reia vive é tudo muito seco, nada cresce ou vinga, então eles passam bastante necessidade. quando o duskwalker leva a Reia, ela vai conhecer coisas sobre o mundo que nem sabia que existiam, tanto porque o povo dela é bastante isolado quanto porque ninguém gostava dela lá. nós descobrimos que existem vários tipos de demônios, não somente criaturas ditas horrendas e nojentas como também demônios mutantes, como o gato da livraria lá pro meio do livro. nós descobrimos que alguns demônios monopolizam territórios inteiros, como os mencionados Demônia Aracnídea e Demônio Serpente (que o Mavka sem-nome menciona) e são muito poderosos. alguns voam. alguns parecem cachorros.
e então há os duskwalkers. mas o que eles são?
os duskwalkers são um misto entre sombra, vazio e morte. eles nascem sem gênero, sem corpo material, e adquirem essas coisas se alimentando da morte. o primeiro humano que um duskwalker devora quando bebê determina o gênero dele e maioria deles devoram homens primeiro, porque existe uma galera chamada matadores-de-demônios que caça duskwalkers e a maioria é de homens. entendeu? beleza. assim como o primeiro humano determina o gênero, o primeiro animal determina o formato de seu crânio. esse crânio é muito importante, porque antes disso os duskwalkers são criaturas sem rosto, das sombras. então, o Orfeus, protagonista, é um macho com crânio de lobo e chifres de cervo. quero dizer também que eles não são seres racionais e pensantes como os humanos. o Orfeus fala que ele não pensava, ele só matava por instinto, até o dia em que comeu o primeiro humano, e a partir daí os pensamentos se formaram e ele foi ficando inteligente. explico mais abaixo essa parte.
as descrições são muito bem feitas e importantes, é só ler com calma que você consegue desenhar tudo na cabeça. enfim. os humanos costumam chamar os duskwalkers assim, mas eles preferem se chamar de Mavka, e eu também prefiro.
Orfeus sabe que a Reia vai tentar fugir, mas ele avisa a ela que vários dos outros não sumiram porque ele os devorou, muitos foram levados, muitos fugiram e os demônios pegaram, e alguns ele comeu porque odiavam ele. e sim, você vai até entender a perspectiva dele quanto a isso, porque o Orfeus e todos os outros mavkas são, na verdade, criaturas pacíficas que costumam ser solitárias e buscam companhia. o problema é que eles não nascem inteligentes, como dito acima. eles precisam devorar humanos para sentir como os humanos sentem. é através do consumo da carne deles que um mavka se torna sábio. na história, a gente encontra outro mavka, que ao contrário do Orfeus não comeu tantos humanos e comia mais demônios e animais, e esse mavka sem nome é meio burrinho (e o protagonista do livro dois). logo, era necessário que Orfeus comesse pessoas, é como ele sobrevive e evolui. e também como ele adquiriu magia, por ter se alimentado de sacerdotes parecidos com os que a Reia tinha no povo dela.
beleza. Reia tenta fugir, ela leva um bom tempo pra decidir ficar, aceitar que quer ficar ali, e, olha, ela tem várias chances, várias. a batalha interna dela faz muito sentido, mas a verdade é que ela também é muito solitária e, ao contrário das noivas anteriores que foram entregues ao Orfeus, a Reia não foi tirada de nenhum lar amoroso, ela na verdade foi liberta daquela gente que detestava ela e constantemente assediavam ela, culpando-a pela morte da própria família. logo, a companhia do Orfeus preenche uma lacuna na vida dela, e você consegue entender as duas perspectivas o tempo todo. Orfeus tem uma natureza boa, ele não é naturalmente mal, ele tem instintos como qualquer monstro, como humanos que matam animais em fazendas industriais aos milhares, e a existência dele é uma dádiva da natureza, não um erro.
na verdade, é muito bonito ver como Opal deixa claro que Orfeus é uma criatura etérea de origens deidéticas, não um monstro. e a Reia, aos poucos, vai enxergando isso. porque é meio que óbvio. porque o Orfeus é muito legal, não só com ela, mas com tudo. ele já devorou humanos o suficiente em seus mais de duzentos anos pra entender tudo sobre a complexidade da própria existência e ele é muito inteligente, e, nossa, muito respeitador! sério, não tem um momento sequer aqui que o Orfeus faz algo contra a vontade da Reia, até quando ele leva ela pro Veil (a região onde ele mora) ele leva pensando que ela quis ir.
o romance deles é superinteressante. Reia, mais arredia, mas o Orfeus curioso com aquela humana que ri pra ele e desafia ele como se eles fossem semelhantes. não é necessário ter uma temática meio pesada e recorrer à violência contra mulher e isso aqui é a prova: Orfeus faz de um tudo pela Reia, tudo, sem machucá-la. ele só pede que ela não vá embora, porque todos foram, e a existência dele é muito solitária. disso vai desenrolando um romance quente, sim, mas também cheio de diálogo interno. ele, uma deidade da natureza, filho de um Void (deus das sombras), imortal, mas extremamente vulnerável. ela, humana e sempre muito valente, se permite ser vulnerável com ele, porque ela não podia ser com mais ninguém que conheceu.
vou dizer: é tudo tão bem amarrado, bem feito, bem pensado, que dá um gosto ter lido devagar e entendido cada coisinha. os twists do final, bem, eu já esperava, e isso só melhorou a experiência porque eu queria ver como tudo ia acontecer. vale a pena demais.
adendos: o Mavka sem-nome que vai ser protagonista do livro dois é muito fofo. ele é uma esponja aprendendo coisas novas. gosto muito. a Witch Owl, contudo, é minha personagem favorita. realmente, como ela mesma disse, uma mãe.