luizhenrique.dourado.1 23/05/2022
Romance literário com a força do incômodo. Estilo simples de potência e provocação.
Um livro de cinco estrelas, cujo brilho já começa pelo título e pela capa forte, impactantes. O romance parte de uma premissa bem interessante, a personagem principal é encontrada morta em seu apartamento após incríveis e surreais cinco anos do seu último suspiro, sem que ninguém notasse. O desenrolar da trama, por sua vez, não possui grandes altos e baixos, o que poderia implicar numa narrativa pesada, lenta. Mas é exatamente o oposto, pois a autora trabalha para que cada página seja provocativa, reveladora. Uma das coisas que mais gosto na arte e, principalmente na literatura, é a capacidade do incômodo, de nos tirar do conforto, o que "Nem sinal de Asas" faz praticamente a todo momento. Conta-se quem foi Anja, a protagonista morta, seu passado de vida, suas dores, mas sem que se tente justificar didaticamente o seu destino infeliz. A vida dela embora triste, é muito interessante do ponto de vista do leitor. Tudo tem um peso que puxa a pessoa à frente do livro, não há nada em excesso. Anja é o que é, e o destino também. Os personagens que gravitam Anja todos muito bem construídos, com uma funcionalidade própria e importantes para o desenvolvimento da história, mesmo que, por vezes, cruéis, se mostram com refinadas camadas, demasiadamente humanos. A grande força do romance, porém, está no estilo. A escrita não precisa ser rebuscada, pomposa, para ser linda. Há diversas passagens que dá vontade de iluminar a folha, Marcela nos brinda com a escolha de belíssimas figuras de linguagem. Cada frase, percebe-se que foi minuciosamente esculpida. E há um flerte, bem singelo mesmo, com o surreal, que produz no leitor um sentimento de ironia, perspicácia, um sorrisinho de canto de boca, dando ainda mais cores, mesmo que sombrias, ao livro. A história de Anja é pesada, ela, por muitas vezes, não responde, como deveria se esperar de uma protagonista clássica dos manuais de escrita, mas sua defesa é exatamente se manter em inércia, um movimento sempre constante e uniforme de fuga, sem se lamentar, sem brigar com o destino que ela vê se aproximando. E quando não se evita nem o pior dos destinos, a própria morte, descobre-se uma protagonista forte e marcante, que ficará por muito tempo na cabeça do leitor. Uma das melhores leituras de 2022, um romance com aquela estampa literária que a alçou com grande justiça à finalista do Prêmio Jabuti e Prêmio São Paulo.