spoiler visualizarIldri 10/06/2024
O Problema das 3 tramas
Antes de se deparar com o tal Problema dos Três Corpos, a insolúvel questão da mecânica clássica que intriga físicos e matemáticos desde os tempos de Isaac Newton, o leitor dessa obra de hard sci-fi, escrita pelo autor chinês Cixin Liu, precisa confrontar um problema semelhante (pelo menos, em nível literário).
À primeira vista, o enredo principal parece ser caótico, reunindo três tramas simultâneas, mas que ocorrem em tempos e espaços distintos. Aliás, até mesmo os gêneros literários são diferentes, já que aqui podemos encontrar um Drama Político, um Suspense Policial e uma Ficção Científica clássica, cada um orbitando os demais em uma relação de causa e efeito digna do problema estampado na capa do livro.
Iniciamos a leitura esperando cair de cabeça em uma história de invasão extraterrestre, mas somos surpreendidos ao nos encontrarmos bem no centro da Revolução Cultural Chinesa, em um primeiro segmento que chega a ser brutal pelo nível de detalhamento dos horrores ocorridos durante este período.
Li análises que taxavam O Problema dos Três Corpos de ser uma propaganda do governo chinês disfarçada de ficção científica. Porém, pergunto-me se quem disse algo assim realmente leu o mesmo livro que eu.
Afinal, a obra pode ser interpretada como uma grande crítica à intervenção do Estado no progresso científico, demonstrado aqui pelo protecionismo exagerado e pela reação extrema do Partido Comunista de Mao Tsé-Tung aos cientistas e professores que ousavam compartilhar conhecimentos surgidos em outras regiões do mundo - sobretudo no Ocidente.
E essa é apenas a parte óbvia da crítica, já que, em determinado momento da trama, a Ciência como um todo é impedida de avançar na Terra, criando um cenário propício para a destruição de todos os seres humanos.
Esse Drama Político cria a base para o enredo de O Problema dos Três Corpos, mas é o Suspense Policial que realmente faz a história andar. Nestes capítulos, a escrita do autor se torna muito mais dinâmica, criando um misto de ação e mistério que me fez lembrar as (já clássicas?) obras do autor norte-americano Dan Brown.
Por mais de uma vez, prendi a respiração e senti meu coração acelerar enquanto lia cenas particularmente tensas, em uma busca ansiosa para descobrir o desfecho daquela situação o quanto antes.
Paradoxalmente, os segmentos de Ficção Científica são os que menos geram envolvimento com o leitor médio. Não porque seja difícil acreditar na existência de um planeta que orbita três sóis simultaneamente, nem na forma como a vida persiste em existir por lá, mesmo após os cataclismas que acometem Trissolares repetidamente e destroem civilizações inteiras. O que torna a leitura desses capítulos difícil e arrastada é o estilo técnico que Cixin Liu adota nesses momentos.
É bem verdade que o autor tenta ser didático ao explicar conceitos como Relatividade Geral, Mecânica Quântica e Computação, mas ao fazer isso, ele acaba interrompendo o fluxo da narrativa para dar verdadeiras aulas. Algo que o público geral pode considerar maçante.
No entanto, ir além da sua zona de conforto literária e desafiar-se a ler algo que esteja um pouco acima do seu nível de entendimento é a melhor maneira de evoluir. Por isso, mesmo que a leitura de O Problema dos Três Corpos não seja fácil, é altamente recomendada para quem gosta de uma ficção inteligente que te faça continuar pensando muito depois da última página.