Vania.Cristina 08/04/2024
Sombrio e sensível, tocou meu coração
Esse é o segundo volume da série O Cemitério dos Livros Esquecidos, do espanhol Carlos Ruiz Zafón. Embora os livros se entrelacem, podem ser lidos separadamente, porque são narrativas independentes.
A história deste se passa antes dos acontecimentos do primeiro livro. E o contexto social e histórico é ainda mais relevante aqui. Acho que conhecer um pouco a história da Espanha e da luta contra o fascismo, facilita a compreensão das camadas mais profundas dessa obra.
David Martín é o protagonista. Ele foi uma criança pobre, abandonada pela mãe e criada pelo pai analfabeto, ex soldado, amargurado e com baixa auto estima, que demonstrava um afeto contido pelo menino, e o tratava de forma violenta.
Martín cresceu amando livros e frequentando, escondido do pai, a livraria Sempere & Filho, que se tornou um lugar acolhedor e seguro. O velho Sempere sentia carinho por ele, permitindo que ficasse por lá lendo o que quisesse. Suas economias, gastava com livros que o velho vendia barato para ele. Quando não tinha como comprar, ganhava.
Um dia, o pai de Martín foi brutalmente assassinado na frente do filho.
Assustado e traumatizado, o menino se escondeu na área das máquinas do jornal La Voz de la Industria, onde o pai trabalhava como porteiro.
Uma vez descoberto, passou a ser protegido pelo jornalista, célebre e rico, Pedro Vidal, que convenceu o jornal a contratar o menino, primeiro como contínuo, depois como seu assistente pessoal. Com o apoio de Vidal, aos poucos Martín foi subindo no jornal, se tornando repórter da editoria de Polícia. Depois, ganhou uma coluna fixa no jornal, para escrever contos de ficção.
Incomodado com a inveja dos colegas, que desprezavam a sua rápida ascensão, Martín resolveu sair do jornal. Ainda com a ajuda de Vidal, conseguiu um trabalho na editora Barrido & Escobillas, onde começou a ganhar bem escrevendo livros populares e usando um pseudônimo.
Procurando um lugar pra morar que pudesse ser seu, acabou comprando uma mansão sombria, que estava abandonada, e que sempre lhe chamou a atenção.
Martín estava secretamente apaixonado por Cristina Sagnier, filha do motorista de Vidal, mas sentia que ela não o respeitava, por desprezar o tipo de livro que ele escrevia e por acreditar que ele estava desperdiçando seu potencial criativo.
Martín trabalhava muito, estava exausto, se sentia explorado pelos editores que estavam enriquecendo às suas custas, dormia pouco e estava solitário. A mansão revelava, cada vez mais, um lado sombrio e misterioso, coisas estranhas começaram a acontecer. A mansão tinha segredos...
Aos poucos Martín foi adoecendo, tendo lapsos, desmaios, visões... Quando estava bastante fragilizado e depressivo, conheceu um homem elegante e misterioso que se apresentou como editor francês. Ele queria que Martín largasse todo o trabalho e dedicasse a ele exclusividade por um ano, para escrever um livro misterioso encomendado. Em troca, se aceitasse, ele iria receber um bom dinheiro adiantado, e mais dinheiro ainda, ao término do trabalho, além de outras ofertas misteriosas e sedutoras.
Gente, isso tudo são só as primeiras páginas do livro. Muita coisa acontece.
A história de O Jogo do Anjo mexeu mais comigo do que A Sombra do Vento, o primeiro livro. Tive uma experiência de leitura melhor, fiquei comovida, emotiva, foi tudo mais intenso. Talvez eu esteja agora familiarizada com o autor, talvez aqui ele esteja mais maduro, não sei dizer. A história é mais sombria, com presença forte do sobrenatural. Mas é um sobrenatural que, em alguns momentos, deixa o leitor em dúvida sobre a confiabilidade do narrador.
Gostei do entrelaçamento entre os dois livros. Foi muito bom reencontrar a livraria e os Sempere, e conhecer mais sobre a família. Curioso é que o Cemitério dos Livros Esquecidos, que dá nome à série, tem muito menos protagonismo do que a livraria dos Sempere. Mas a grande protagonista e o grande cenário vivo é, na verdade, a cidade de Barcelona, bela, assustadora e intensa.
Se o primeiro livro me remeteu a Dumas, esse aqui me lembrou Oscar Wilde e O Retrato de Dorian Gray.
Só sei que agora quero muito ler os outros livros dessa série e sinto tristeza quando penso que o autor nos deixou cedo. Favoritei. Leiam!