P. H. de Aragão 10/03/2021Ruínas humanas“Sheila da Silva desceu o morro do Querosene para comprar três batatas, uma cenoura e pão. Ouviu tiros. Não parou. Apenas seguiu, porque tiros não lhe são estranhos. Sheila da Silva começava a escalar o morro quando os vizinhos a avisaram que uma bala perdida tinha encontrado a cabeça do seu filho e, assim, se tornado uma bala achada. Ela subiu a escadaria correndo, o peito arfando, o ar em falta. Na porta da casa, o corpo do filho coberto por um lençol. Ela ergueu o lençol. Viu o sangue. A mãe mergulhou os dedos e pintou o rosto com o sangue do filho.
[...]
“A cena ocorreu em 10 de junho de 2016, no Rio de Janeiro. O país vivia a realidade como farsa.
[...]
“Não fosse vida, seria arte.
[...]
“A pietà da favela não ampara o corpo morto do filho como na imagem renascentista. Ela ultrapassa o gesto. Porque no Brasil não há renascenças.”
Quem acompanha a coluna da Eliane Brum no El País, e nos outros livros e veículos em que ela publica, conhece a qualidade notável da sua escrita, e como ela nos transporta para dentro dos acontecimentos com um olhar humanista, solidário — mas também lúcido e duro.
Neste seu livro mais recente, a jornalista nos traz fatos e análises sobre o Brasil das últimas duas décadas, debruçando-se em especial sobre nossa queda livre no abismo dos últimos cinco anos e dos primeiros cem dias do governo atual — que não tem nada de atual.
Recomendo a leitura pra ontem.
Nota 9/10
site:
https://www.instagram.com/phdearagao/