maria clara 31/05/2024
Torto arado
"O som que deixou minha boca era uma aberração, uma desordem, como se no lugar do pedaço perdido da língua tivesse um ovo quente. Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada."
torto arado aborda diversas temáticas permanentes na pele de muitas pessoas. racismo, escravização, a desigualdade, a ancestralidade, a religiosidade e o seu sincretismo... mas isso todo mundo já sabe... afinal é o livro contemporâneo nacional mais comentado nos últimos anos.
uma coisa curiosa é o fato de o autor não especificar em momento algum o período em que o livro se passa; no final das contas, isso acaba sendo uma característica inteligente. a atemporalidade é crucial pra nos fazer entender que, seja no passado, presente e futuro, as rotinas de muitos estão longe de um final digno e humano. por mais que pareça algo distante na linha temporal, as notícias de trabalho escravo foram e ainda são extremamente presentes na história brasileira... um fato vergonhoso, sujo e escabroso que continua a se perpetuar, independente de seu tempo.
as figuras femininas são construídas de maneira belíssima. bibiana e belonísia, no início ainda crianças, amadurecem seus pensamentos sobre seus ancestrais, seus direitos e seu papel na comunidade de forma emocionante. marcadas por um trauma que mudaria completamente suas vidas, essas duas irmãs entendem gradativamente que, somente agindo com coragem e bravura se pode mudar o rumo das suas histórias, dos seus destinos.
travei muito na leitura do livro mas, apesar dos obstáculos, foi um processo elucidativo e essencial. verdadeiramente necessário pra compreender a história do povo brasileiro que se torna invisível aos olhos do governo.