Ruh Dias (Perplexidade e Silêncio) 18/02/2020
Já Li
Publicado originalmente em 1971, o livro se passa em Portland (Oregon, Estados Unidos) no ano de 2002. A cultura é praticamente a mesma da década de 1970 nos Estados Unidos, embora empobrecida. Há também uma guerra massiva no Oriente Médio, com o Egito e Israel aliados contra o Irã. O aquecimento global causou estragos na qualidade de vida em todos os lugares do mundo.
O protagonista é George Orr. Quando George sonha, o sonho literalmente vira realidade. Aliás, aqui faço um adendo: não só vira realidade como transforma a realidade do mundo. Por exemplo: se George sonha que um prédio não existe, assim que ele acorda o prédio não está mais lá, e ninguém sequer se lembra que o prédio um dia existiu. Assim, não é difícil entender que George evita ao máximo sonhar e acaba ficando viciado em diversos tipos de droga. Por causa do vício, George é obrigado a fazer terapia de desintoxicação com um psiquiatra chamado William Haber que lhe explica que é humanamente impossível ficarmos sem sonhar, pois o sonho faz parte de um processo cerebral indispensável à vida.
Até este ponto da leitura, eu estava muito interessada. A premissa criada por Le Guin é muito interessante e me peguei pensando em todos os sonhos que já tive e que bizarro seria o mundo se eles o transformassem. Também estava curiosa para ver qual seria a reação de Haber quando descobrisse do que George era capaz.
Haber, então, procura usar o poder de George para mudar o mundo. Suas experiências com uma máquina de biofeedback/EEG, apelidada de Amplificador, aprimoram as habilidades de George e produzem uma série de mundos alternativos cada vez mais intoleráveis, com base em uma variedade de premissas utópicas (e distópicas).
Quando Haber instrui George a sonhar com um mundo sem racismo, a pele de todos no planeta se torna um cinza claro uniforme. Uma tentativa de resolver o problema da superpopulação se mostra desastrosa quando George sonha com uma praga devastadora que destrói grande parte da humanidade e dá ao mundo atual uma população de um bilhão em vez de sete bilhões. George tenta sonhar com a existência de "paz na Terra", resultando em uma invasão alienígena da Lua que une todas as nações da Terra contra a ameaça.
Um dos meus problemas com este livro foi a personagem de Haber. Cada vez que ele aparecia em cena, eu revirava os olhos, pois os diálogos com ele eram extremamente maçantes. Haber só sabia falar das tecnicidades dos sonhos e do Amplificador, e eu me sentia lendo um parágrafo de TCC. Achei um erro feio de Le Guin, que dificultou muito a fluidez da leitura e, pior ainda, o desenvolvimento de um vínculo com Haber. Embora ele tenha boas intenções quando manipula os sonhos de George, Haber é tão chato e tão entediante que faz toda a dinâmica se perder. Ele poderia ter sido um anti-herói incrível, mas não foi.
O que se conecta com meu outro problema do livro, que é o próprio George. Ele é muito insosso. No começo da narrativa, ele deve ser insosso, então até aí tudo bem, mas em algum momento da história ele deveria evoluir. Mas esse momento demora tanto a chegar - tanto! - que, quando chega, quase no final do livro, eu já não queria mais saber do herói.
Assim, consequentemente, passei quase toda a leitura resmugando, porque não aguentava mais a dinâmica entre os dois chatos, Haber e George. E, para piorar, a cadência do enredo é muito lenta e eu quase desisti da leitura algumas vezes.
Há também o interesse amoroso de George, Heather, mas o relacionamento deles me pareceu um elemento forçado. Não me convenceu nem me cativou.
O legal mesmo deste livro é acompanhar as mudanças de realidade e as consequências no mundo e na sociedade. Achei um exercício de imaginação muito interessante e foi nisso que Le Guin me ganhou. Mesmo quando os alienígenas são introduzidos à realidade da Terra pareceu uma realidade possível e natural e, se o livro tivesse explorado mais (e melhor) estas especulações, teria completado seu potencial de obra-prima.
Por causa disso, é uma leitura que recomendo, apesar dos pontos negativos que identifiquei nesta resenha.
site: https://perplexidadesilencio.blogspot.com/2020/02/ja-li-109-curva-do-sonho-de-ursula-k-le.html