Júlia 01/06/2024
Um livro com grandes méritos
Para mim, o livro teve dois grandes méritos em minha primeira leitura. Primeiro, o de realmente colocar para conversar e integrar conhecimentos da Psicanálise, da psicologia de Jung e dos povos originários sobre os sonhos com os das neurociências. Nesse sentido, Sidarta reconhece a importância de Freud tanto para o edifício de conhecimento para o qual dedicou boa parte de sua vida, a Psicanálise, assim como para as neurociências, pelas quais nunca deixou de nutrir interesse.
O segundo mérito, a meu ver, é o de fornecer exemplos provindos de histórias do que a Débora Noal chama de “lado B do mundo”. O autor retrata os que foram colonizados, compondo uma outra perspectiva de mundo, diferente da que muitas vezes encontramos nos livros que atingem a notoriedade que este alcançou.
Sidarta tem a esperteza de, além de transmitir a teia de conhecimentos sobre os sonhos que vêm tecendo, mostrar-nos os sonhos, estratégias e concepções de povos indígenas para sobreviverem à invasão dos europeus. Embora estes nunca tenham deixado de sonhar o mundo, toda vez que a racionalidade e a ideia de progresso do mundo dos brancos assombra terminar com o mundo de todos, nosso interesse por esses sonhos aumenta. E eu me senti particularmente feliz por encontrá-los, e pedi licença para lê-los, enquanto a emergência climática assoma o RS.
Creio que diferentes capítulos deste livro podem ser usados para abordar diferentes assuntos, o próprio livro sendo uma miríade de aberturas para diferentes porta(i)s, assim como são os sonhos das pessoas hoje em dia, e como sugere a capa da obra. Essa quantidade de assuntos está descrita em outros locais, enquanto eu me detive aqui em uns poucos.
Algumas vezes, eu não entendia alguns raciocínios feitos pelo autor, ou o porquê de ele estar se alongando na explicação de algum mecanismo biológico, mas acredito que isso faça parte de tentar transmitir ao público leigo pesquisas científicas. Depois de atravessar uns dois capítulos difíceis, foi-me possível reencontrar a leitura fluida e o que me era convidativo nela.
Depois de ler este livro, o sentido de afirmações que opõem neurociências com Psicanálise e conhecimentos afins vai se desvanecendo. Sidarta não precisa abrir mão de sua subjetividade para fazer ciência, e compartilha com o leitor a sua particular relação com os sonhos. Embora tenha vivido anos em laboratórios, seu encanto pelas sutilezas e simbolismos da vida permeia cada página.
O vejo conjugando conhecimentos da humanidade que não precisam se excluir, mas também sem fugir de um bom debate, principalmente quando o sentido do sonho é atacado e somos tratados como robôs que atualizam o sistema à noite. Embora eu não entenda tudo o que ele diz, noto que penso parecido com Sidarta, e quero continuar a entrar em contato com suas ideias.