Queria Estar Lendo 09/12/2020
Resenha: Ted Bundy: Um estranho ao meu lado
Ted Bundy - Um estranho ao meu lado é um livro em parte investigativo, em parte sobre relatos de Ann Rule. A autora da obra conviveu e inclusive chamou de amigo um dos mais notórios e assombrosos assassinos em série dos Estados Unidos, e usou esse livro para entender e falar a respeito dele e de seus crimes hediondos.
Ann Rule trabalhou com Ted Bundy em uma clínica de prevenção ao suicídio durante alguns anos e, nesse meio tempo, se aproximou dele. Nunca foram melhores amigos, mas Ted parecia entendê-la bem e sempre se mostrou um bom companheiro para momentos complicados; qual foi seu choque absoluto ao descobrir que Ted fora preso e estava sendo acusado de inúmeros assassinatos horrendos, todos envolvendo jovens mulheres que, além de assassinadas, foram abusadas e maltratadas.
Do ano todo, acho que esse foi o livro que eu mais demorei pra ler. Não por ele ser gigantesco - com quase 600 páginas - mas porque ler sobre o Ted Bundy é uma tarefa de paciência, nervos e estômago de aço.
Ele se tornou um dos assassinos em série mais conhecidos dos Estados Unidos não apenas pelas mais de trinta vítimas espalhadas pelo país, mas também por se distanciar do que se espera de um assassino em série; Ted era bonito, educado, charmoso. Ele enganava muito bem. Era um mentiroso notório e por isso conseguiu se safar de diversas situações envolvendo sua vida criminosa.
"Visto que Ted assassinou tantas mulheres, fez mais do que privá-las da vida, também as privou do que as tornava especiais. É fácil demais, e conveniente, apresentar seus nomes em lista. É impossível contar a história de cada vítima dentro dos limites do livro. Todas aquelas jovens mulheres inteligentes, bonitas, queridas, se tornaram, por necessidade, "vítimas de Bundy". E apenas Ted permanece sob os holofotes."
Ainda que se conheça o destino dele logo de cara - mesmo que você nunca tenha acompanhado o caso, Ann começa o livro comentando sobre a morte dele, com a execução na cadeira elétrica - é desesperador ler os relatos da autora, as datas e os crimes, os nomes das dezenas de vítimas que ele fez.
Ted Bundy era um estuprador e assassino serial que aterrorizou, destruiu e vindicou a vida de mais de trinta jovens mulheres; universitárias, em sua maioria, que tiveram sua paz e tranquilidade destruídas pelo estranho em um Fusca que, geralmente, pedia ajuda com alguma coisa para atraí-las até o veículo e, daí para frente, atacá-las.
Eu conheci um pouco mais sobre o Bundy na época em que as Serial Chicks ainda existiam. Elas fizeram um episódio inteiro sobre ele, falando sobre termos da criminologia, analisando os traços e psicológico dele - como dezenas de pessoas fariam depois da sua prisão - e tentando decifrar um pouco mais sobre quem era esse homem.
Um psicopata sedento por poder e pela dominação, segundo Ann; Ted não tinha motivação ou trauma na infância, como a maioria dos assassinos em série parecem ter. Ele era, até segunda ordem, normal. Até que mostrou a verdade.
Todo o caso do Bundy, desde o começo dos assassinatos até o terror correndo nos campus das universidades, nas ruas, nos parques, em todos os lugares por onde ataques apareciam sem respostas, até sua prisão - e fuga - e então prisão e, novamente, outra fuga, para enfim ser julgado... É um circo.
Eu não fazia ideia do tamanho do circo.
Bundy atacou em uma época em que a comunicação entre autoridades dos estados era menor - casos como o rastro de sangue que ele deixou em um ponto e fugiu para outro não serem notificados até ele começar outra onda de ataques nesse novo ponto eram bem normais. Quando as autoridades entenderam com o que estavam lidando, já era tarde demais.
E é tão, tão revoltante pensar na quantidade de vidas que se perderam pela falta de cautela da polícia, pela má conduta do processo investigativo, pela relativização de alguns casos de violência. O que mais me enfureceu e fez até parar um pouco a leitura foi a situação da segunda fuga de Bundy, que causou a morte de mais mulheres porque a polícia simplesmente não tomou cuidado em manter o prisioneiro sob custódia.
É uma fuga tão ridícula que quase poderia ser roteiro de uma comédia ruim - e ainda assim lá estava ele, um assassino em série notório e perigoso, escapando entre os dedos das autoridades para matar e estuprar e infernizar a vida de mais algumas mulheres até a prisão definitiva.
Os relatos da Ann se dividem entre os detalhes e as investigações dos ataques, comentando sobre as vítimas com a sensibilidade necessária. Ela também explica o que foi ter convivido com Ted; o Ted que ela conhecia, que era gentil e amigo, e o Ted dos noticiários e do julgamento, um verdadeiro estranho.
A relação entre eles é tão assombrosa quanto inesperada. Através de Ann, conhecemos um pouco mais da humanidade do Bundy, mas nunca relativizando ou romantizando. Afinal de contas, ele era apenas humano. Um humano que cometeu atrocidades monstruosas, mas que tinha uma história, que convivia com pessoas que nunca machucou; uma peça estranha e psicótica que, durante a prisão e sentença, gerou análises dos mais diversos tipos.
Esse livro é gigante porque, além dos relatos da Ann, todo o caso envolvendo o Bundy foi gigante. Seu julgamento é de uma palhaçada sem fim, com direito a ele mesmo se representando no tribunal, júri dormindo durante testemunhos, Bundy fazendo cena e dando piti em frente aos repórteres. É tudo caricato, mas desesperador ao extremo.
Desesperador porque você quer ver a justiça sendo feita, mas ela demora e é angustiante. E, como a própria Ann diz, é de uma tristeza sem fim pensar que, nesse livro e no caso todo, as jovens assassinadas por ele sejam lembradas como vítimas e nomes em listas, e não como a história que tinham e poderiam ter continuado a ter, não fosse por trombarem com um monstro.
A diagramação da Darkside é linda e todo mundo já sabe disso. Com fotografias do julgamento dele e de cartas, é uma edição impecável.
Do início ao fim, você vai sentir raiva e medo e tristeza. Ted Bundy - Um estranho ao meu lado é interessante para quem quer ler mais sobre investigação e criminologia, mas também é bem pesado por isso.
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