NINAZEN1K 08/05/2024
Você me mudou para o resto da vida, Carrie Ann;
A mãe de Carrie diz que os tempos são outros, mas será que são mesmo? Os papéis de gênero nos anos 1970, com a jovialidade, necessidade de filhos, feminilidade e cuidado com o lar estão ali impostos e escancarados. Nisso, Taylor Jenkins delineia com suavidade os contornos de uma época, carregando e determinado culpas, posições sociais e cobranças direcionadas à protagonista e projetadas também aos ou pelos demais.
No artifício das cartas, intercaladas, com pontos de vista determinados e omissões calculadas, vêm à tona: O que ficou de fora? Parece que há sempre mais - como quando se lê em ordem cronológica o que Ken escreveu e o que Janet respondeu ou quando se vê a revelação final da pequena Margaret.
E as cartas, em sua informalidade gradual nos tratamentos pelo primeiro nome, encerramentos gentis, depois carinhosos, pequenas lembranças como afetos, compartilhamento de experiências - e das receitas de morangos açucarados com chantilly - mostram, em certo ponto, um desejo que está impregnado nas palavras, mesmo que prudentemente em silêncio. E como é doloroso ver essa formalidade indo e voltando, ao se aproximar do encerramento.
E esse encerramento reflete muito da necessidade de responsabilidade - definitivamente expressa na página 115: “O que mais quero nessa vida é viver na mesma casa dos meus filhos, estar aqui quando eles acordam, dar boa noite no fim do dia, até virarem homens feitos.” -, que revela o quanto a rotina, o carinho e o dever falam alto. E a vontade por Carrie não poderia ser maior que isso.
A autora extrai bastante do casamento, das relações humanas e se aproveita do gênero textual. Em um conto, ela traz nuances não tão prontamente entregues, mas que convidam o leitor a imaginar. Janet, a mulher desejada, não conhece totalmente Ken, não como a esposa. Carrie sequer sabia o quanto queria voltar para Boston, algo de si tomado, para ver a cidade florir depois do inverno, matar a saudade da família e velhas amizades, ouvir o Blue de Joni Mitchell. O livro vai te molhando os lábios de mel durante todo o processo, deixando, afinal, a vontade de ganhar um pote inteiro.