bardo 26/05/2024
Em A Floresta Sombria, Cixin Liu nos apresenta uma narrativa muito mais fluída do que a do primeiro volume da trilogia e ao mesmo tempo imensamente mais complexa. Se no primeiro o leitor foi bombardeado por temas complexos de física e matemática em A Floresta Sombria o autor se volta para a complexidade da espécie.
Já nas primeiras página somos apresentados a uma diferença fundamental entre humanos e trissolarianos, a ideia de que a linguagem e o pensamento possuam ou não uma correspondência absoluta. Tal ideia trará uma das dinâmicas principais da história e já demonstra como o pensamento humano é muito mais complexo do que estamos acostumados a considerar.
Cixin também leva seu gosto por personagens incômodos a um extremo com a figura de Luo Ji. Luo nos parece egoísta e alheio a própria espécie. Sua indiferença é tal que ele parece um tolo, sua paixão então, nos parece absurda. Se a ideia do que seja a construção de um personagem e a íntima relação disso com o sentimento amoroso é genial, quando o autor transpõe tal ideia para Luo Ji, isso nos parece monstruoso e absurdo .
A despeito de sua genialidade, Luo nos é quase tão alienígena quanto a cultura trissolariana, é curioso pensar como o autor por meio dele nos demonstra que a genialidade e a inteligência são em si mesmas inúteis. O autor também faz picadinho da ideia de que genialidade implique necessariamente bondade, empatia ou compaixão. Em mais de um momento personagens extremamente inteligentes tomarão atitudes questionáveis ou mesmo imorais e antiéticas.
Vale comentar o paralelo entre Luo Ji e Zhang Beihai, dois personagens que guardam mais semelhanças do que pode parecer numa primeira impressão, ambos são incompreensíveis para os personagens ao redor e seguem motivações e princípios que não são óbvios, ocultando dentro de si suas reais intenções e tomando decisões e ações inesperadas.
Os debates éticos, filosóficos e existenciais aqui são o ponto alto, e a imensa quantidade de acontecimentos e reviravoltas pode fazer o leitor se perder e não notar alguns deles. Se alguns acharam o primeiro livro moroso e arrastado, aqui a história e os temas voam, o leitor que lute para acompanhar.
Em mais de um momento o autor joga como quem não quer nada ideias extremamente complexas, ou constrói metáforas visuais de tirar o fôlego. Uma delas envolve a solitária formiga que presencia dois momentos cruciais da trama. A Floresta Sombria de Cixin Liu consegue a façanha de quebrar a “maldição” dos livros “do meio” em uma trilogia, sendo ainda melhor do que o primeiro e não uma mera ligação com o último volume.