Maria - Blog Pétalas de Liberdade 17/11/2017Resenha para o blog Pétalas de Liberdade"As pessoas sempre reagiam a mortes violentas da mesma forma, com hipocrisia e curiosidade." (página 18)
Norma Ross era uma mulher de trinta anos que vivia com a mãe, Anita, em Helsinque, na Finlândia. As duas escondiam um segredo: o cabelo de Norma crescia de forma absurda, quase um metro por dia, e para evitar que Norma fosse observada como uma aberração, elas não contavam isso para ninguém. Até que Anita supostamente se suicidou, se jogando nos trilhos do metrô.
"Norma acendeu um cigarro e pensou. Apenas algumas horas antes de pegar o voo para a Tailândia, sua mãe estava marcando clientes na agenda. Por que ela faria isso se estava planejando acabar com a vida? (página 55)
Anita trabalhava há pouco tempo no salão de Marion, onde o cabelo ucraniano, fornecido por Anita, era a sensação do momento. Havia filas para conseguir apliques de cabelo ucraniano, pois os fios eram maravilhosos. Com a morte de Anita, Marion estava sendo pressionada por seu irmão, Alvar, por seu pai, Lambert, e pela madrasta, Alla, que também eram donos do salão, para descobrir quem fornecia o cabelo ucraniano para Anita e continuar oferecendo os apliques aos clientes. Além disso, família de Marion tinha clínicas de fertilidade, que ofereciam barrigas de aluguel para pessoas que não poderiam gerar e gestar os próprios filhos. Esses negócios tinham suas partes ilegais.
Como vocês já devem supor, o tal do cabelo ucraniano não tinha nada a ver com a Ucrânia, e vinha da cabeça da própria Norma. Agora, ela estava sozinha com o seu segredo, tentando descobrir o que teria levado a mãe a querer se matar sendo que Anita sabia o quanto a filha precisava dela. Talvez Norma encontrasse respostas no salão de Marion, mas isso a colocaria ainda mais sob a pressão de Lambert. Será que o segredo de Norma seria descoberto?
Sofi Oksanen faz uso de muito suspense e de realismo mágico nessa obra. A narração é feita em terceira pessoa, focando em vários personagens, e temos algumas partes em primeira pessoa com relatos de Anita. É um daqueles livros que temos que ler com muita atenção, pois num piscar de olhos podemos perder alguma peça do complicadíssimo quebra-cabeças que é a história da família de Anita, com sua amizade com Helena, a mãe louca de Marion e Alvar.
É uma história que vai crescendo, nos envolvendo pouco a pouco. Junto com Norma, tentamos desvendar as motivações de Anita e a complicada relação da família de Marion. É chocante ver como não há amor nenhum entre Marion, Alvar, Lambert e Alla. Tudo se resume à sucesso, poder, dinheiro, e se alguém atravessar o caminho, pode ser eliminado sem dó, inclusive os membros da própria família. E mesmo assim, Anita se aproximou novamente deles. Por quê motivo ela fez isso? Talvez na tentativa de poder ajudar a filha de alguma forma, talvez por culpa, mas essa busca acabou cobrando um preço muito alto de Anita.
"Os homens ficaram com os lucros dos cachos das irmãs Sutherland, assim como dos de Elizabeth, e é por isso que estou chocada com tudo o que Marion me contou sobre a indústria de cabelo. As mulheres não evoluíram nem um pouco durante todo esse tempo. As irmãs Sutherland viviam numa época em que o campo de ação da mulher era limitado à casa, e, para ter sucesso, elas precisavam de homens trabalhando no ramo do entretenimento. Agora, as mulheres têm os mesmos direitos, as mesmas oportunidades, e, ainda assim, não ficamos com os lucros. Nós apenas oferecemos todo o material para muitos setores de cosméticos. Oferecemos mão de obra. Século após século, oferecemos nossos rostos, cabelos, úteros, seios, e ainda são os homens que embolsam o dinheiro que é ganho com tudo isso. Eles gerenciam, possuem ou comprar na mesma hora todos os negócios que fazem qualquer tipo de sucesso." (página 133)
É revoltante perceber como a vaidade feminina escraviza as mulheres. O livro me fez pensar muito sobre essa indústria da beleza e espero que sirva como um alerta para outros leitores. Quem se preocupa com a origem dos cabelos naturais usados em apliques? São cabelos doados de boa vontade ou cabelos roubados de mulheres nas ruas, ou vendidos por preços irrisórios por famílias miseráveis? É esse o preço que nós, mulheres, queremos pagar pelo padrão de beleza absurdo imposto pela mídia? Queremos carregar na cabeça algo que foi fruto da miséria de alguém?
A questão da barriga de aluguel também é chocante. Quando famosos têm filhos graças às barrigas de aluguéis, o interesse por essa forma de gestação sobe, o que dá espaço para FAZENDAS DE BEBÊS! Imaginem mulheres em países subdesenvolvidos que não encontram condições dignas de sobreviver, e recebem a oferta de gestar um bebê por nove meses em troca de uma oportunidade melhor. E, quantas vezes, no livro, essas mulheres são obrigadas a ser barriga de aluguel, tudo em nome do lucro para uma família como a de Lambert! E os pais que contratam os serviços de uma barriga de aluguel não se interessam por averiguar se aquela mulher africana, maquiada e arrumada que eles veem num vídeo, está mesmo ali por vontade própria; esses pais só querem saber da criança pela qual pagaram ao fim dos nove meses, enquanto há tantas crianças órfãs, abandonas, precisando de um lar e de amor. Que fique claro que eu não sou contra uma mulher oferecer o seu útero para gerar o filho de outra, o que revolta é ver até isso ser um comércio em condições desumanas.
A autora traz alguns casos de mulheres que tinham cabelos que poderiam ser considerados tão únicos quanto os de Norma, como os das irmãs Sutherland e Elizabeth Siddal no século dezenove (vale pesquisar sobre suas histórias no Google). Mulheres que também tiveram sua "excentricidade" usada, o que Anita temia acontecer com a filha. E em meio a tantos segredos, numa linha tênue entre a realidade e a loucura, entre a liberdade ou o fim para Norma, a história vai crescendo de forma desesperadora. Aí vem o epílogo, que, apesar de ser crível, acabou me decepcionando um pouco depois de toda a tensão dos capítulos anteriores.
"Depois que você nasceu, refleti sobre todos os remédios que tomei e sobre minha dieta durante a gravidez. Pensei que eu talvez tivesse ido parar em algum local onde mulheres grávidas não devem ir, quem sabe um local infectado por toxinas ambientais, ou comido cogumelos radioativos acidentalmente ou visitado fazendas que usavam DDT. Era completamente absurdo ter uma filha cujo cabelo cresce quase um metro por dia. Também não fazia o menos sentido pensar que se tratasse de um aspecto hereditário oculto ou de uma predisposição para crescimento de cabelo excepcional, mas a foto de Eva Naaka sugeria algo assim. Se o excesso de cabelo na foto era real, ela apresentava a mesma anomalia que você, e, nesse caso, pelo menos eu não teria feito nada que tivesse causado o seu problema." (página 64)
Achei a capa do livro bem bonita, obscura como a história (mas a da edição em inglês é linda também). As páginas são amareladas, a diagramação tem letras, margens e espaçamento de bom tamanho e não me lembro de ter encontrado erros de revisão.
Fica a sugestão de leitura para quem gosta de histórias com "suspense, realismo mágico, feminismo e crítica social", como é dito na contracapa. Tem muito disso em "Norma".
site:
http://petalasdeliberdade.blogspot.com/2017/11/resenha-livro-norma-sofi-oksanen.html