Desenhando em Letras 22/05/2020
Excelente leitura
Um dos aspectos fundamentais da literatura, mesmo que algumas obras mostrem isso apenas sutilmente em pequenos artifícios, é a necessidade em se dialogar a respeito do cenário político e social de determinada época. E o cyberpunk, enquanto ficção científica, é inteiramente construído em cima de críticas, visando não somente ampliar os horizontes que os leitores têm sobre aquele regime como também fazer um alerta sobre como a sociedade pode se deteriorar ao longo dos anos quando as pessoas se acomodam e seguem à risca o que lhes é imposto.
Poder Absoluto, do Jean Gabriel Álamo, é a prova de que, quando nos deixamos ser conduzidos, não podemos prever, muito menos controlar, as situações que virão a seguir. No ano de 2257, uma entidade autointitulada Suserano controla o mundo com mãos de ferro. Era uma cientista que, praticamente em seu leito de morte, realizou upload da sua consciência para a Internet e, a partir daí, conquistou aos poucos todas as tecnologias da Terra. E, num mundo em que até os humanos utilizam engenharia mecânica em seus corpos (principalmente para realizarem trabalhos na esperança de não serem substituídos por androides) seria normal temer uma entidade que não somente observa tudo como tem total controle sobre diversas funcionalidades eletrônicas. Suserano é o Governo, a Igreja, todas as corporações que de alguma forma abusam da sua tecnologia como meio de controle social ou lucro.
Nesse cenário de temor, um grupo de hackers tenta desvendar os segredos mais obscuros da hierarquia do Governo, aliados a um sintozóide, para tentar diminuir o controle do Suserano. E é justamente aí que toda a situação se desenrola.
Quando falamos em ficção científica, logo nos vêm à mente a ideia de fórmulas e termos complexos demais para se entender, mas aqui devo deixar os meus parabéns ao Jean, que abordou de forma muita clara todo o processo de criação desse universo, elucidando como e por que determinada tecnologia era aplicada e, também, mostrando com destreza como aquilo conseguiria ser utilizado no mundo real se obtivermos os mesmos recursos ali expostos. E as notas de rodapé ajudam o leitor a se situar em referências a clássicos que não adeptos do gênero acabam se interessando em procurar.
Eu queria dizer, sinceramente, que Poder Absoluto é divertido, mas muito pelo contrário, é uma trama de luta, desespero, aflição. É um reflexo de uma sociedade em ruínas, é o suspiro de um ideal preso na garganta que teima em sair aos pouquinhos como grunhidos. Poder Absoluto é a alma de um mundo que pede socorro. É triste, surpreendente. Real.
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