Isabelle.Truppel 04/06/2024
?Amizade era testemunhar o lento gotejar de tristezas?
Eu particularmente tenho certa dificuldade de ler livros de fantasia, gosto de personagens reais, de histórias reais ou de histórias que apesar de ficcionais caminham em uma linha tênue com a realidade, esses livros me prendem, gosto de pensar nas inúmeras variáveis que a vida de uma pessoa pode chegar, de viver histórias que nunca aconteceriam comigo e poder desfrutar de outras experiências de vida e de sentimentos, sejam eles de felicidade plena ou na dor que cada uma delas carrega consigo.
Apesar de gostar desse tipo de leitura, jamais tive uma experiência tão intensa quanto tive lendo uma vida pequena, esse livro me fez refletir sobre amizades leais, sobre o amor nas mais variadas formas, sobre a proporção do mal que uma pessoa pode causar a outra, sobre família e principalmente sobre esgotamento físico e psicológico. Hanya Yanagihara constrói os personagens de uma forma tão minuciosa e detalhada que no meio da leitura a sensação é de estar lendo sobre pessoas próximas e íntimas, porque nessa altura já conhece seus medos, suas angústias, suas alegrias e seus amores. Nenhum sentimento que esse livro possa proporcionar ao leitor vem em pequena escala, tudo é muito intenso, senti muita raiva, senti uma tristeza profunda, fui feliz nos poucos momentos em que o livro pode me proporcionar essa oportunidade, chorei, quis desistir, senti a angústia dos personagens e no final, para a minha surpresa, de alguma forma acho que senti alívio, e por mais perturbador que fosse o desdobrar dessa história, senti paz, senti paz por Jude.
Spoiler nos próximos parágrafos.
Willem estava coberto de razão, Jude sempre fora corajoso, lindo e bom, me conforta que depois de tantos horrores ele tenha encontrado pessoas que o amaram incondicionalmente, amigos que o acolheram, que cuidaram de sua saúde e zelaram por ele nos seus momentos mais sombrios, pessoas que o amaram tão profundamente que reivindicaram ele em sua família como filho.
Gostaria que Jude tivesse ouvido a primeira pessoa que foi realmente boa com ele, quando disse a ele ?Precisamos falar sobre as coisas enquanto estão frescas. Ou nunca falaremos. (...) pois vai ficar cada vez mais difícil quanto mais você adiar, e isso vai apodrecer por dentro, e você sempre irá se culpar?. E que pudesse demonstrar que amava seus amigos tanto quanto era amado, ainda que tivesse feito o que pode, que pudesse abraçá-los sem se sentir desconfortável, que pudesse ser abraçado sem se esquivar, mas ele definitivamente fez o melhor que pôde e deu tudo de si no pouco que conseguiu. Gostaria que não tivesse sofrido uma perda tão grande, que pudesse encontrar o máximo de paz que pudesse na presença de quem tanto amava. No final de tudo, consigo olhar para essa história e sentir certo conforto pelo que chamaram de ?Os anos felizes?, por saber que apesar de sempre precisar de provas, Jude soube que fora muito amado, e por algum tempo sua vida não foi apenas tristeza e angústia, por algum tempo se deixou convencer de talvez não fosse ?uma pessoa que desperta repulsa, uma pessoa que merece ser odiada?.
Algumas coisas que eu gostaria de pontuar sobre o livro:
I. Willem sem dúvidas foi meu personagem favorito, desde as primeiras páginas fiquei enternecida com sua generosidade, doçura e bondade. No capítulo ?os anos felizes?, acompanhar o relacionamento de Willem e Jude é uma das únicas boas surpresas deste livro, e apesar das inúmeras dificuldade em se relacionar com Jude, em momento algum seus sentimentos são colocados em dúvida.
II. Uma coisa que me chamou muita atenção, foi o fato de que a maioria dos personagens são masculinos, mas não existe nenhum tipo de masculinidade frágil, eles falam que se amam, dão beijos e abraços uns nos outros e falam de seus sentimentos abertamente.
III. Gostaria que Malcolm aparecesse mais ao longo da história, é um personagem importante e especial, mas senti que em algum momento ele ficou para trás, o que para mim foi um erro, sendo ele tão sensível e preocupado com Jude, e como o próprio Jude apontou ao longo da história ?Malcolm, percebeu ele, foi o primeiro do grupo a reconhecer que ele era deficiente?.