Gabi 02/04/2016
A DISSECAÇÃO DE UMA MENTE SOMBRIA
No início da década de 40, o escritor Robert Albert Bloch passou a manifestar interesse pela mente de assassinos psicopatas. Mas foi só em 1957 que Bloch recebeu a inspiração de que precisava para criar uma das mentes mais perturbadas e misteriosas na história da literatura.
Tudo aconteceu no dia 16 de Novembro daquele ano. Edward Theodore Gein teve sua propriedade invadida pela polícia sob a alegação de que ele era suspeito de envolvimento no desaparecimento de uma mulher. Durante as buscas, no lugar de Bernice Worden, encontraram um corpo decapitado, suspenso de pernas para o ar, tornozelos presos a uma viga e costelas separadas. Para eles, evidentemente, não era mais um caso de homicídio: estavam diante de um verdadeiro psicopata assassino. Em sua casa, a decoração mórbida incluía crânios humanos, um abajur feito de pele - que também foi usada para estofar os assentos e fazer meias -, puxadores de janela feitos de lábios humanos, um cinto feito com mamilos e, entre outras coisitas mais, uma caixa com vulvas - que Gein confessou ter usado. Uma espécie de designer de interiores com gostos peculiares.
De Wisconsin para o mundo: sob uma inspiração livre, a personalidade e mente sombria que chocou a vizinhança de La Crosse foi dissecada e imortalizada por Robert Bloch em "Psicose".
Aqui nos deparamos com generosas doses de ousadia e originalidade, tendo em vista a época em que foi escrito. Aqui, Bloch não aplica a habitual fórmula sobrenatural de um romance do gênero; ele inova, surpreende e nos presenteia com uma obra extraordinariamente bem construída, apresentando uma visão completamente diferente e fascinante sobre a verdadeira natureza de um psicopata.
Deixando para trás todo o lado grotesco e repulsivo da história de Ed Gein, Robert Bloch constrói um personagem que, embora seja visto como o grande vilão da história, não passa de mais uma vítima de si próprio. A sua condição psicológica o coloca sob uma linha tênue entre o que é, de fato, real e o que é criação da mente dele. Isso faz com que Norman Bates uma figura extremamente infantilizada, dependente, censurada e superprotegida pela mãe controladora e abusiva - com quem mantém um relacionamento doentio de posse e ciúme -, seja sua própria vítima e o seu próprio algoz.
A história se passa em uma cidade interiorana, onde fica localizado o pequeno e esquecido Motel Bates, dirigido por Norman enquanto sua mãe, Norma uma senhora doente -, fica em repouso no casarão localizado em uma colina logo atrás do Motel. A rotina monótona e solitária de Bates que divide todo o seu tempo com o trabalho, empalhando animais e imerso em leituras sobre a anatomia humana, muda com a chegada de um novo e único hóspede: Mary Crane uma moça responsável e dedicada, mas amorosamente e profissionalmente insatisfeita que, movida pelo amor e anseio de mudar de vida, não hesita quando, diante de uma grande quantidade de dinheiro entregue à ela pelas mãos do próprio chefe, vê a chance pela qual tanto esperou. Durante a fuga carregando 40 mil dólares em dinheiro, Mary é alcançada não somente pelo sentimento de culpa, medo e arrependimento - a quem afasta com a justificativa do amor - mas também pela tempestade que a leva, inevitavelmente, ao Motel Bates.
A grande característica do romance de Bloch é a mescla entre o terror crescente, proveniente do mal prestes a aflorar das profundezas do inconsciente de um homem doente, e o suspense e thriller, que desde o primeiro paragrafo suga toda a atenção do leitor, instigando-o à devorá-lo, estimulando-o com cada fase da narrativa gradativa, até chegar ao clímax. E essas características são, inegavelmente, mais acentuadas com as trágicas consequências do encontro entre Norman e Mary.
É também a partir desse encontro - que vai desde a chegada de Mary e a reação curiosa de Bates, que oferece um jantar improvisado à hóspede, visto que não há estabelecimentos nas redondezas do Motel -, que nós, leitores, notamos que estamos diante de um suspense de tirar o fôlego carregado de personagens curiosos e diálogos incríveis e excitantes.
A partir disso, a trama assume uma narrativa investigativa e que intercala entre os pensamentos e perspectiva de Bates - que está em frenesi em busca de formas de se livrar de qualquer rastro que o coloque como suspeito de envolvimento no desaparecimento de Crane, protegendo, dessa forma, tanto sua mãe, quanto a si mesmo -, e de outros personagens que vão sendo inseridos aos poucos em busca do paradeiro de Mary.
"Psicose" não impressiona apenas pela força narrativa, ou a admirável construção da personalidade de cada personagem, pelos diálogos incrivelmente bem colocados, tampouco pela facilidade em inserir e envolver completamente o leitor com a história que está lendo. A obra de Robert Bloch surpreende por driblar qualquer dedução falha que pensamos em fazer, à medida em que o autor vai nos dando pistas, e isso é admirável. Quando chegamos as últimas linhas, temos uma grata surpresa que prova toda a genialidade do autor, fazendo com que o leitor feche o livro com aquele sentimento maravilhoso que só acontece quando estamos diante de obras raras e geniais. Selo Alfred Hitchcock de aprovação.
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