Higor 24/12/2022
"LENDO PULITZER": sobre péssimos trabalhos de tradução e revisão
Esgotado no Brasil há quase 15 anos, "Blonde" e suas polêmicas voltaram à tona com o pomposo filme estrelado por Ana de Armas. Filme pré-selecionado ao Oscar, livro em uma casa editorial nova e o mundo com novas perspectivas feministas, bem diferente de 2000 e ainda mais dos anos 1960.
Vendido como um romance, uma espécie de biografia fictícia, "Blonde" é entendido pela própria autora como uma história condensada em diversos momentos, assim como alongada em tantos outros, tudo em nome da boa literatura. É de conhecimento, por exemplo, que Marilyn passou a infância em ao menos 12 orfanatos e ao menos um lar adotivo, o que a autora optou por sintetizar em apenas um orfanato no livro. Em contrapartida, a vida glamourosa de Hollywood é explorada com uma olhar mais aprofundado, abordando situações controversas e que não há o mínimo de fonte biográfica para sustentar, mas que claramente reforça pontos estratégicos para a construção do enredo.
Pois bem, "Blonde" se propõe a narrar a vida de Marilyn Monroe, de sua infância, Norma Jeane, até sua morte precoce em 1962. Dividido no Brasil em dois volumes, o que eu não entendia, mas agora eu agradeço, pois uma história tão densa como esta clama por pausas, a obra é a mais extensa de Joyce Carol Oates, além de ser considerada uma de suas obras primas, tanto que é a mais conhecida e até mesmo a mais premiada.
Vivendo em um orfanato após os sucessivos ataques esquizofrênicos de sua mãe e a morte da avó, Norma Jeane foi transferida para um lar cristão na adolescência, por volta dos 15, quando já atraía os olhares de todos, principalmente dos homens. Foi, então, orientada a se casar, após uma inexplicável expulsão de casa, que a obrigaria a voltar a um orfanato até encontrar um novo lar, o que seria remotamente impossível, em se tratando de adoções que preferem crianças pequenas, e não uma "mulher de corpo feito".
Casada aos 16 anos, Norma abandonou os estudos para se dedicar ao marido e ao seu lar. O que Norma Jeane não esperava era o alistamento de seu esposo, Bucky Glazer, para a Segunda Guerra, o que a obrigou a morar com os sogros. Aproveitando a oportunidade de se tornar independente e, com isso, livrar-se do tédio que era o matrimônio, Norma Jeane passou a trabalhar em uma fábrica de munições para a guerra, quando foi, enfim, fotografada pela primeira vez.
Galgando aos poucos, e não sem dificuldades, espaço na mídia da época, Norma Jeane deu lugar à Marilyn Monroe: alisou e tingiu os cabelos de loiro, assim como adotou um estilo pin-up, o que fez com que, em um ano, aparecesse em mais de 30 capas de revista, mas nem por isso ganhava boas rendas por seus trabalhos, o que fez com que ela, inclusive, tirasse fotos nuas, o que depois, sem seu consentimento, serviu para estampar a primeira edição da Playboy.
Na agência de modelos, Marilyn conseguiu um agenciamento para atuação, o que aos poucos, e sem um tanto de credibilidade por parte dos executivos, deu início a sua carreira como atriz. O mundo de Hollywood, mais conhecido como cheio de glamour e luxo, é exposto em toda a sua decadência e vícios.
Independente das polêmicas com a veracidade dos fatos acerca da vida de Marilyn Monroe, "Blonde" é um livro consistente e com suas pontas amarradas. As escolhas da autora, mesmo questionáveis para a vida de uma figura pública, amarram a história e trazem um enredo seguro, como a amizade dos "sem-pais" ou "filhos indesejáveis", Marilyn, Chaplin Jr. e Eddy Robinson Jr.
O grande problema com "Blonde", no entanto, ao menos no Brasil, é a terrível, para não dar adjetivos piores, tradução feita na nova edição. Palavras foram engolidas, outras escritas de maneira errada, como "cosia" no lugar de "coisa", "iso" ou "issso" no lugar de "isso", fora tantos outros erros que questionam o tratamento dado ao livro e evidenciam a total falta de revisão, mesmo com uma pessoa designada para tal função.
Com uma história que mescla fatos com muita ficção, "Blonde" é um livro amargo e denso de se encarar, tanto pela violência infantil, quanto pelos abusos sexuais já na fase adulta de Marilyn Monroe, seja o famoso teste do sofá, para conseguir um papel de maior destaque no cinema, ou de diversos homens, que a viam apenas como uma frívola sexual, o que a própria insistia em derrubar tais estereótipos, ao se debruçar em livros e estudos para se tornar competente para papéis mais sérios.
Respire fundo e encare a segunda parte.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Pulitzer".