umataldeanab 21/04/2020
A luz de Hugo Escarlate
"Num é o sangue qui faz o Rei, Piquenu Obá..."
(O Gênio Griô)
Sobrevivência. Essa era a palavra atribuída a Idá Aláàfin no auge de seus 13 anos de idade. A coisa que mais almejava naquela noite de perseguição e confronto policial era estar vivo para contar história, e como bônus desfilar pelas vielas do Santa Marta com aqueles mesmos tênis de marca que o tráfico tanto ostentava. Isso se ele escapasse daquela empreitada em que se metera. Tudo se resumia a um container, uma mãe batalhadora porém impaciente, um pai ausente e sua querida avó já com certa idade. Sua Abaya como gostava de chama-la, Certo dia ela confiou-lhe uma história, um rei que perdeu seus poderes. Como um rei perde os poderes por um motivo tão bobo? Seria delírio? Pelo sim ou pelo não, Idá nem imaginava que aquela seria a história mais importante para entender sua jornada dali para frente. A comunidade bruxa chamava seu nome, estava em seu sangue, em sua alma.
"Era uma vez na África um rei muito poderoso, cujo seu nome se perdeu no tempo. Nós o chamaremos de Benvindo..."
Bem-vindo.
Quando tudo parece perdido o que você faria se descobrisse que seu propósito na vida está ligado a seus poderes? Em meio a um dos momentos mais sangrentos da história do Santa Marta, Idá descobre da forma mais inusitada possível que é bruxo, vê ali a oportunidade de crescer e apagar de vez tantos anos de impotência diante da guerra na favela. E ali diante dos Arcos da Lapa nº 11 o Korkovado abre as portas para o repaginado novo aluno, agora Hugo Escarlate, prestes a mudar todo o rumo de sua história, e vingar ele próprio e todos aqueles que sofreram tantos anos nas mãos do tráfico.
Mas a que preço?
Entramos de mãos dadas com nosso protagonista em uma das melhores escolas de bruxaria do mundo, e entramos de cabeça em todas as ambições que a magia é capaz de proporcionar a um ser humano. Enxergamos de perto o que é uma revolução de verdade e a prova de boas amizades. Somos colocados diante de uma magia em sua forma mais pura e encantadora, a depender de quem segure a varinha é claro, e nos perdemos em meio a tantas risadas proporcionadas por personagens igualmente cômicos. Mas será que Hugo, em domínio de sua incrível varinha que brilha em tom escarlate, irá escolher o caminho certo para conduzir tamanho poder? Quem vence a batalha da vida, o mais forte ou o mais sensato?
A Arma Escarlate é muito mais do que uma obra para ser comparada a Harry Potter, Renata Ventura colocou nessas páginas tudo o que há de mais brasileiro. Somos convidados a apreciar paisagens, o Rio de Janeiro cultural e popular como um todo, o folclore infelizmente cada vez mais esquecido com a atualidade e, por último mas não menos importante, apreciar nossa gente. É o tipo de obra que te fará submergir em todas as emoções existentes em seu íntimo, como por exemplo apreciar a narrativa maravilhosa de um Clube das Luzes no qual você com certeza vai querer entrar algum dia. Às vezes até se esquecerá se está lidando com personagens adolescentes na faixa dos 13 aos 17 anos, pois a riqueza de espírito e sabedoria poderia ser como a de adultos de alto nível intelectual.
Acima de tudo, mesmo tendo sido publicado em meados de 2012, cá estamos em 2020, e posso dizer com todas as letras que este livro assustadoramente atual. Se muitos dos momentos de reflexão e conflito dos jovens deste livro fossem seguidos à risca aqui em nossa realidade, muitos problemas já teriam sido resolvidos. Mais uma vez a ficção dá uma leve melhorada na realidade.
Você está pronto para escolher sua varinha, pegar uma prancha de surf e entrar no Korkovado? Estive num intercâmbio nos últimos meses e sem dúvidas tenho o orgulho de dizer: é incrível!