Mel 23/05/2024E de quantos eus somos, afinal, feitos?É uma pena ter deixado tanto tempo passar após a leitura pra escrever essa resenha, tenho certeza que deixei escapar muitas reflexões. Mas a essência do meu ponto de vista não se perdeu ou modificou.
A imersão nessa narrativa é absolutamente única, o jeito que ele permeia as profundezas do ser em toda a sua complexidade, despedaçando-o de dentro pra fora, mostrando que estamos longe da unidade ou mesmo da dualidade. Acho que esse trecho, que reduzi, foi um dos que mais me tocou:
"... então veria, talvez, que nem mesmo os animais possuem a unidade da alma, que também neles, atrás da bela e austera forma do corpo, vive uma multiplicidade de desejos e de estados; que também o lobo tem abismos no seu interior e também sofre. [...] No princípio das coisas não há simplicidade nem inocência; tudo o que foi criado, até o que parece mais simples, é já culpável, já complexo, foi lançado ao sujo torvelinho do desenvolvimento e já não pode, não poderá nunca mais, nadar contra a corrente. [...] Em vez de reduzir teu mundo, de simplificar tua alma, terás de recolher cada vez mais mundo, de recolher no futuro o mundo inteiro na tua alma dolorosamente dilatada, para chegar talvez algum dia ao fim, ao descanso. [...] Nascimento significa desunião do todo, limitação, afastamento de Deus, penosa reencarnação. Volta ao todo, anulação da dolorosa individualidade, chegar a ser Deus quer dizer: ter dilatado a alma de tal forma que torne possível voltar a conter novamente o todo."
E me tocou muito porque fez paralelo e desenvolveu uma de minhas epifanias: que pra existir incorporamos e desenvolvemos uma parte do todo, damos uma forma — o que somos é o nosso limite.