Bernardo.Mucelini 07/03/2021
Uma obra bastante reflexiva!
“?A vida –- disse Porquinho em tom expansivo –- é cientifica, isso eu garanto. Daqui um ou dois anos, depois que a guerra acabar, vão dar um jeito de viajar de ida e volta para Marte. E eu sei que não existe monstro nenhum, nem monstro nem fera, com garras e dentes enormes e essas coisas. Mas também sei que não existe medo. Somente o medo das outras pessoas...”?
É nesse tom suspensivo do personagem Porquinho que toda a trama do Senhor das Moscas parece contornar. A obra escrita por William Golding narra a história de um grupo de meninos entre 6 a 12 anos de idade que precisam sobreviver em uma ilha paradisíaca após o avião o qual eram tripulantes cair. Na queda, apenas as crianças sobreviveram, e elas precisam se organizar para poder subsistir naquele ambiente inóspito - –e nada hostil.
A narrativa começa lenta, com a descrição do local feita de forma poética, assim como o detalhamento das primeiras regras do grupo, e depois assume postura frenética e robusta. A maior intenção de Golding é mostrar a natureza do ser humano e suas intenções. Ao longo da história, os garotos, ilibados e inocentes, são transformados em verdadeiras bestas, assim como homens na guerra.
Como estão em puro estado de necessidade, as crianças precisam de leis e disciplina para que consigam conviver uns com os outros sem tomarem atitudes arbitrárias. Diante disso, passam a demandar providências conforme o que os adultos fariam naquela situação. Os personagens que carregam esse detalhe da trama são o Ralph e Jack, um líder eleito pelos garotos e o outro líder da repartição dos caçadores.
Posto isso, os garotos carecerão de um porta-voz, e essa é a parte da história na qual existe uma quebra da ordem instituída. A busca pelo poder e toda a crueldade inerente à essa procura é transportada para as relações entre os meninos da ilha. Se por um lado temos a tentativa de construção de regras sociais, do outro nasce o desejo instintivo pela matança. Desse modo, a bagagem civilizatória, aos poucos, sofre o enfrentamento do instinto selvagem.
Não obstante, esse ímpeto do caráter humano é maior do que as tentativas de se impor uma diretriz definitiva. Portanto, franqueia-se espaço para a violência desmedida e injustiças de todo modo. Assim sendo, Golding abre a ferida e revela o pior da natureza humana: os próprios garotos se tornaram a hostilidade daquele pedaço de terra. Nada define melhor esse livro do que a famosa frase de Theodore Dalrymple: “?A primeira exigência da civilização é que os homens estejam dispostos a reprimir seus instintos e apetites mais baixos: falhar nisso faz deles, precisamente porque são inteligentes, muito piores que meras bestas”.? Isto é, retire as regras do convívio social e verá a completa animalização do ser humano, ou melhor, presenciará o chamado do Senhor das Moscas.
Para aqueles que gostam de uma obra literária que te põe para pensar, carregado de interpretações filosóficas, este é o livro certo e imperdível de se ter na estante.