Dhiego Morais 14/02/2021SeparadosAnos antes de presentear os seus leitores com Wytches, Scott Snyder se uniu ao amigo e cineasta Scott Tuft (responsável também por algumas edições de Monstro do Pântano) para desenvolver o roteiro de mais uma história aterrorizante, capaz de evocar seus maiores medos, seus pavores mais enraizados, mergulhados em desolação, desonestidade e desespero. Para tanto, os autores contaram com a ajuda talentosa de Attila Futaki, artista húngaro apaixonado por histórias de terror, responsável pela adaptação de Percy Jackson, de Rick Riordan para os quadrinhos.
Em Separados, os leitores aterrissam diretamente em Jamestown, NY. O ano é 1916 e a Europa é varrida pela grande guerra. Jack Garron é um garoto de doze anos que sonha em seguir os passos do pai, um músico, embora seja criado somente pela mãe. Há muito no passado dessa simplória família que não é compartilhado integralmente na mesa de jantar. Infelizmente para a mãe de Jack, nosso jovem Jack também tem seus próprios segredos e anseios: ele sabe que foi adotado e que o pai está vivo, tocando em Chicago, em um importante teatro.
Desejoso por finalmente conhecer o pai – que há pouco enviara uma carta para o garoto – e irado por ter sido enganado todo esse tempo pela Sra. Katherine Garron, Jack foge no meio da noite, portando pouco mais que suas roupas do corpo, um violino, uma foto antiga de seu pai e algumas pratas, em direção à linha de trem, onde embarca clandestinamente. A partir daqui, muitas, muitas coisas estranhas e dolorosas começam a perseguir Jack.
A narrativa de Separados pode ser dividida em dois momentos principais: o passado, ambientado em 1916, quando acompanhamos a desventura e fuga de Jack “Brakeman” Garron; e o presente, quarenta anos após esses capítulos, quando observamos os reflexos de um passado que se recusa em ficar para trás.
Por falar em narrativa, Separados não conta apenas a perspectiva do garoto Jack, mas também nos apresenta outra figura, um personagem menos obtuso, mais sombrio e definitivamente suspeito. Porter é um senhor que se diz representar a General Electric: trajando um chapéu e terno barato, ele está no orfanato para levar Frederick, um rapazinho, para que finalmente tenha a sua oportunidade de vida fora daquele recinto. Inspirado pela gentileza e hospitalidade, o jovem segue de carro com o Sr. Porter, até uma cabana remota, escondida na obscuridade da mata gelada. Porter não é da “General Electric”. Porter não é o homem que dará vida aos sonhos de Frederick. Porter – e esse também não é o seu verdadeiro nome – é aquele que dará vida aos piores pesadelos do garoto.
A história de Snyder e Tuft segue Jack até que ele chegue a Chicago. Nesse meio tempo e dali em diante, também seremos apresentados a Sam, uma garota em busca de suas próprias aventuras e de reescrever sua própria história. Pouco a pouco os caminhos se estreitam e os perigos avançam sobre os dois.
Separados não é uma obra de terror e horror atenuado, logo, não espere encontrar um quadrinho de narrativa rasa e sustos bobos. O medo que embebe as páginas da graphic novel é continuamente alimentado pela trama dos autores, que se reforça com a arte de Futaki. O horror progride a cada capítulo, instigando o leitor que, ciente da inevitabilidade do encontro do pesadelo e de Jack, passa a teorizar sobre sua verdadeira origem e sobre o futuro que os aguarda. Temas como mutilação, canibalismo e sequestro são retratados.
Separados é, portanto, uma narrativa de terror e horror sobre “a estrada”, e seus muitos aspectos relacionados à liberdade, desventuras e sentimento de vivacidade e de transgressão. Snyder e Tuft, auxiliados pelas artes excepcionais de Futaki e pela colorização de Greg Guilhaumond, entregam uma graphic novel absolutamente fantástica, capaz de resgatar o clima do início do século XX e uni-lo a uma história capaz de proporcionar calafrios e instigar temores próximos a nossa realidade, ao espírito ansioso por ser protagonista de suas próprias aventuras e de sua independência.