Candido Neto 17/08/2024O livro pela capaOntem (16/08/24) terminei o excelente Línguas de Domenico Starnone. Ainda ontem eu conversava com um estranho, ele me perguntou a quanto tempo eu moro aqui, acabou sabendo que vivi por mais de dez anos na capital distante de nós por 130km, ele disse que deve ter sido daí que surgiu meu sotaque. Eu tenho um sotaque dentro da terra onde nasci e passei toda a minha infância.
Isso deixou cheio de um colorido diferente o livro que fala sobre diferenças e preconceitos linguísticos. Mas eu quero falar desse livro a partir da capa. Um livro não se julga pela capa, dirá a maioria, entretanto é a capa quem primeiro atrai o consumidor, encantado, esse passa ao lugar de leitor e passa a ler o livro para o segundo e mais importante julgamento, como se o primeiro não tivesse acontecido.
No livro há um julgamento. A vó devota velha e feia que é desprezada conscientemente, e a menina linda da qual nada se sabe que é adotada. A beleza é fundamental para o instinto e o amor, como a capa de um livro que guarda lá seus mistérios mas expõe uma breve mensagem.
A capa desse livro parecem ser duas: na primeira (que sobrepõe a segunda) em amarelo post it uma menina brica distraída sobre um abismo, cores saturadas e traços pueris, tíbios, inseguros e (ainda assim) firmes. Na segunda capa se torna evidente a identidade do mesmo artista, sobre um fundo sépia cores também berrantes pintam um quadro romântico quase melancólico, que diz sem dizer, que afirma isso para fazer falar aquilo.
Como a passagem de tempo entre fim de infância e início da vida adulta, dois momentos onde a vida mortal e a vida imortal, o falar público italiano culto e o falar doméstico napolitano impuros, o amor urgente de Orfeu e a aceitação de um relacionamento encontrado, a velhice decrépita e a morte prematura. Os dois lados do espelho, os antônimos complementares.
A procura pelo vocabulário mais exato na frase, o cuidado linguístico é uma outra característica da escrita, além de um ritmo que me é impressionante, uma cadência preguiçosa que se mostra detalhada e sem pressa da metade para o final, é como se a elegância se curvasse diante do enredo e não da forma, gosto principalmente da história, sem alarde, sem grandes acontecimentos, sem absolutamente nada que qualquer pessoa não pudesse contar.
Gosto do fosso no pátio cuja bomba d?água mimetiza a agonia dos mortos, gosto de cabos de guarda-chuva que se transformam em espadas, em damas que desabam de parapeitos, gosto da vida que não consegue ser expressa em palavras, mas essa incapacidade é declarada, há a linguagem das palavras ditas, das escritas e das melhores palavras ? as palavras vividas, conhecidas e inalcançáveis a todas as línguas.