Jasmine 21/12/2022
Algumas impressões de O jovem, de Annie Ernaux
Em pouquíssimas páginas, Ernaux narra o imenso de uma relação com alguém que é o portador da memória do seu mundo de origem, alguém que tornava o seu presente uma repetição e, por existir, ao mesmo tempo, significava a sua morte.
Ernaux desenha suas memórias do relacionamento com um jovem estudante, trinta anos mais novo que ela, e espelho para a sua juventude. Ao viver aquela relação atípica, que a transformava, de algum modo, em escandalosa, cruel e poderosa, Ernaux adentrava o trem que a levaria para o tempo em que fizera um aborto clandestino, do qual evitava lembrar e escrever.
Aquele jovem concretizava o seu passado e uma parte da sua vida que ainda era difícil de acessar, pelo horror quase natural às lembranças de momentos difíceis, marcados pela pobreza e pelas ?inadequações? culturais que sofrera. Com a capacidade extraordinária de dizer tanto em poucas palavras, Ernaux ainda aborda a vitalidade e o erotismo das mulheres maduras e o caminho inconsciente da escrita de um livro.
Há ali, nas entrelinhas, a delicadeza da matéria que nos aproxima e nos distancia das pessoas, conforme ressaltam semelhanças ou diferenças conosco, que não sabemos ou não queremos reconhecer. Ernaux mostra que, às vezes, é preciso desafiar o tempo e até a própria identidade, para recuperar algo importante que fora esquecido numa estranha esquina do passado.