spoiler visualizarLau :) 07/01/2024
Confesso que, ao ganhar esse livro, imaginava uma sequência linear de Torto Arado, com as histórias das irmãs e de Água Negra sendo passadas a diante, mas o que recebi foi muito além disso.
O universo da Tapera, às margens do rio Paraguaçu, gira ao redor de Luzia, que, juntamente a sua família, morava no vilarejo, onde cultivavam plantas, pescavam e recolhiam mariscos. Mas, acima de tudo isso, onde todos respeitavam a temida Igreja.
Desde pequena, Luzia fora abençoada com um dom ancestral indígena: ela poderia sentir a natureza. Quando menina, usava esse "poder" para prever queimadas, e foi assim que começou a ser chamada de não somente bruxa, mas também do próprio Mal personificado.
E ainda, para acrescentar à lista de dores da garota, fora estuprada ainda moça por um homem que a fascinava. Assim, desse trauma nasceu, sem razão biológica aparente além do bebê que guardava no útero, uma corcunda, curvada sob o peso da culpa de ter "se deixado" grávida, ser chamada de monstro e, apesar das inúmeras orações, ser antagonizada pelos cidadãos da Tapera.
Foi nesse contexto que teve, sem nenhum carinho, seu filho, que, por conta disso, fora criado pela tia e pela avó (que pensava ser sua mãe). Moisés ou, como o chamam, Menino, é o primeiro narrador do livro, que após a morte da avó e a migração dos tios para outras cidades e vilas, é deixado, à contragosto, sob os cuidados de sua verdadeira mãe, Luzia, lavadeira do mosteiro na época. Por consequência, consegue uma vaga no colégio da Igreja e, apesar da mãe não acreditar, é assediado inúmeras vezes pelo padre, o que o faz fugir de casa e ir trabalhar na cidade.
A vida de ambos foi acompanhada de muitos traumas, dores, separações e saudades. Mas, apesar disso, todos os irmãos compartilhavam um sentimento de unidade, independentemente da distância que os separava. Cada um se apegava aos momentos e à terra, já que, no meio da miséria, era só o que possuíam.
Mais do que um drama familiar, é um retrato do interior brasileiro, dos locais que fogem à imaginação comum. É uma novela sobre conflitos de terra, escravidão, violência, pobreza e insubordinação. É sobre honrar uma religião, suas crenças e motivos, não deixando a brutalidade da história desse povo ser apagada.
Mas, acima de tudo isso, é uma história sobre o verdadeiro amor. Entre irmãos - com Joaquim, Luzia, Moisés e Mariinha (ou Maria Cabocla, para os leitores de Torto Arado) -, entre amigas - com Edite, levada pelo mesmo homem que infernizou a vida de Luzia -, entre amores - com Mariinha, que volta à Belonísia, ou Belô, como a chama - e, especialmente, entre mãe e filho.