spoiler visualizarThaís 27/07/2022
Legal, legal
Suíte Tóquio, livro de Giovana Madalosso, faz um recorte sobre a realidade socioeconômica no Brasil através de duas vozes: Maju, uma babá que se sente à margem, e Fernanda, sua patroa bem-sucedida. Já começando de forma impactante com Maju admitindo a si mesma que está sequestrando uma criança, as duas narradoras contam suas histórias, seus processos individuais, e o que as levou a estarem naquela situação. No caso da Maju, estar levando Cora, filha de quatro anos da Fernanda com o marido Cacá, para sua cidade no interior; no caso da Fernanda, estar traindo tal marido com Yara, uma excêntrica diretora de documentários sobre a vida animal, enquanto negligencia cada vez mais a filha. Apesar de Fernanda ter uma posição de poder sobre Maju, e deixar claro que não se importa tanto com a babá, é interessante como em nenhum momento ela é vilazinada. Nem mesmo a própria Maju que está cometendo um crime que, por muitos, pode ser considerado hediondo, é vista desse jeito. Vindas de diferentes realidades, é apenas natural que suas reações aos conflitos da vida (abandono, violência, opressão, etc.) sejam também diferentes. Fernanda só percebe sua força como mãe quando Cora desaparece, e tem uma confiança tão “cega” em Maju que nem chega a cogitar que a fiel babá possa ter feito algo com sua filha. Pelo contrário, acha que Maju também deve estar em perigo.
As vozes masculinas são vistas de forma mais passiva, sendo a mais evidente a de Cacá. Mesmo assim, ele não se impõe tanto ou visivelmente impacta a narrativa de alguma forma. Ao contrário do que costumamos ver por aí, é o marido quem decidiu ficar em casa e cuidar da filha, assumindo um papel mais doméstico, enquanto a esposa tem uma carreira bem estabelecida que ocupa muito do seu tempo. Pode-se até dizer que é essa carreira que afasta Fernanda da filha, mas ela mesma deixa entendido que não se sentia preparada para ser mãe, e que, talvez, tenha tido a Cora para cumprir seu “papel de mulher”. Maju, por outro lado, quer muito ser mãe, mas seu trabalho integral não a permite isso. Abandonada pelo companheiro, ela vê sua única chance de maternidade na pequena Cora, que parece ser mais sua do que da Fernanda. As duas narradoras já estão com seus quarenta e tantos anos, e o medo de sua vida continuar para sempre aquela é o que faz com que Maju tome a decisão de raptar a menina. No meio do caminho, porém, ela percebe que Cora terá uma melhor vida com seus pais, e não com ela, que mal tem dinheiro para si mesma. O livro finaliza com Cora voltando para casa enquanto Maju a observa.
Esse livro é bom, mas, de certa forma, insatisfatório, quando chega o final e percebemos que não vamos saber o que acontece com a Cora, se a Maju vai presa, se a Fernanda deixa o Cacá para ficar com a Yara, entre outras pontas soltas. Mas talvez essa seja a beleza da obra, a falta de continuidade, a narração da jornada como foco principal em vez do fim.
“Como alguém me disse uma vez, a fome vem ao comer. Quem sabe o amor também venha ao amar.”