Emerson Dylan 06/11/2023
O inventor da juventude
Até meados do século XX não existia a figura do adolescente. "A criação da juventude" (título, inclusive, de um livraço do Jon Savage) é um tema muito curioso que sempre me chamou a atenção e está presente em uma série de obras icônicas, da música ao cinema, da literatura às artes plásticas, principalmente nos primeiros anos do pós-Segunda Guerra Mundial. Nenhuma, talvez, seja mais icônica que a autobiografia de um final de semana de Holden Caulfield.
Caulfield é pura caixa de ódio. Dispara através de sua máquina de escrever sem nenhuma piedade. Não pensa duas vezes em opinar seu desprezo. Ressente de tudo e de todos. Mas, no fundo só deseja ser amado; ser visto, ouvido ou meramente notado; enfim, respeitado. Só que Holden Caulfield é um adolescente que oscila radicalmente de temperamento em sua caixa de ódio, a ponto de nós, leitores do século XXI, da forma mais leiga possível, conseguirmos diagnosticá-lo facilmente com transtorno de bipolaridade. Para qualquer um que lesse em 1951, sabe-se lá a impressão que esse moleque passaria.
O Apanhador no Campo de Centeio poderia ser qualquer relato vazio, esquecível, fadado ao démodé. Mas J. D. Salinger capta a essência de uma era, de forma magistral, antevendo Jack Kerouac, Bob Dylan, James Dean, os Beatles... sensibilidade de gênio traduzida numa narrativa cortante, deliciosa, que fez do boring teen um clássico atemporal.
E que tradução fantástica Caetano Galindo mandou para essa edição fabulosa da Todavia. Fiquei com vontade de ler a tradução antiga, única até então no Brasil, para ver os recursos utilizados anteriormente. Galindo parece se deliciar ao usar as gírias e o jeito malemolente de Caulfield em expressões impagáveis como "um nojo que só", ou as repetições infindas de "nosso amigo" e "tal". Galindo transpôs para o português a prosa fluida, afiada e jovial de forma que chama muito a atenção. Quebrando o silêncio ao qual Salinger se atirou após o sucesso de O apanhador, esta edição dá vida, no Brasil, ao jovem que, completamente perdido no deserto assustador da adolescência, sem querer, inventou o mundo pós-moderno. Tudo isso, querendo apenas, absolutamente apenas, nada mais, nada mais mesmo, pegar alguém no campo de centeio...