Com os séculos nos olhos

Com os séculos nos olhos Fernando Marques


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Com os séculos nos olhos


Teatro musical e político no Brasil dos anos 1960 e 1970




A prática do teatro musical no Brasil remonta à segunda metade do século XIX, sobretudo a seus três últimos decênios. Gênero de vigência instável, que tem conhecido momentos produtivos, seguidos por períodos menos ricos, o musical teve uma de suas fases mais férteis, no país, durante as décadas de 1960 e 1970.

Nesses anos, o teatro brasileiro frequentemente se organizou na forma do espetáculo cantado para responder, de modo crítico, ao regime autoritário. As soluções estéticas mobilizadas nessas peças reeditaram as práticas nacionais da farsa e da revista, assimilaram influências estrangeiras (os alemães Erwin Piscator e Bertolt Brecht, o musical norte-americano) e, sobretudo, afirmaram caminhos artísticos originais, capazes de envolver o público. Essas montagens de índole popular quase sempre se viram restritas, no entanto, a plateias de classe média, o que em parte se pode explicar pelo ambiente em que se realizaram.

Os textos do musical brasileiro registram o instante histórico, fixam tendências que transcendem aquele instante e deixam lições estéticas às quais se pode voltar hoje. As estratégias épicas, isto é, narrativas (por exemplo, o modo de a música se inserir no enredo), e os diálogos em verso estão entre essas lições. O primeiro capítulo deste livro traça um panorama do teatro musical a partir de 1960, abordando alguns dos principais espetáculos do gênero escritos e encenados em duas décadas. O segundo capítulo discute as ideias estéticas que circularam naqueles anos, com ênfase nas teses de Bertolt Brecht, acompanhadas pelo que escreveram comentaristas brasileiros de sua obra. Tratou-se dos conceitos devidos a Georg Lukács, filósofo e crítico lido pelas esquerdas; Augusto Boal e Ferreira Gullar também tiveram as suas ideias abordadas em seções específicas. O terceiro capítulo, por fim, destina-se a analisar em detalhe oito textos teatrais, julgados exemplares do gênero naquela fase.

Depois de distribuir as peças a serem examinadas em quatro famílias estéticas (o texto-colagem; o texto épico de matriz brechtiana; a peça diretamente inspirada em fontes populares e a peça apoiada no modelo da comédia musical), o autor procura esmiuçar os procedimentos formais que tais obras adotaram e relacioná-los a seus aspectos ideológicos. Levou-se em conta, evidentemente, o papel estrutural da música, além do uso do verso, que surge em alguns desses trabalhos. Oduvaldo Vianna Filho, Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Ferreira Gullar, Dias Gomes, Chico Buarque e Paulo Pontes estão entre os autores das peças analisadas, encenadas por grupos como Arena e Opinião.

Ao estudar os musicais feitos no país de 1964 a 1979, de Opinião e Arena conta Zumbi a Gota d’água e O rei de Ramos, percebemos certa maturação estética e ideológica, decorrente da própria mudança dos tempos, que os artistas souberam absorver, mas advinda também do exercício continuado desses espetáculos — apesar das interdições impostas pelo regime. Configura-se nessas décadas um repertório que soube captar tendências históricas perenes, flagrando-as com base na comicidade (eventualmente misturada ao drama) e na música, ligadas a enredos tantas vezes habilmente delineados.

Compreender o musical equivale a conhecer melhor a atmosfera vivida no Brasil da ditadura, que essas peças denunciam e subvertem, ao mesmo tempo que nos aproximamos de uma das correntes importantes na dramaturgia nacional de todas as épocas. Os musicais políticos propuseram soluções que devem ser meditadas, com vistas a uma percepção mais ampla e precisa do teatro no país e à redação de novas obras do gênero, agora.

Artes / Literatura Brasileira

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