Zoografia: zooalgia

Zoografia: zooalgia Pedro de Souza


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Zoografia: zooalgia





Podemos alinhavar logo estas observações saltando indevidamente o “Prólogo” das alternativas e escorrer o olhar pelo início e o fim do livro. Deve ficar claríssimo que o “Prólogo” muito merece ser lido. Mas certa tática de momento obriga a ver que o primeiro não-texto absoluto é história do cão, em branco. Sem texto, só uma epígrafe anterior. Isto faz o leitor alertar-se sobre um eventual erro de editoração. O último é um semitexto, um não-texto quase, com uma só linha escrita, que parece expor a nu o homem. Expor a nada e a tudo, como o mito de Fernando Pessoa, já que é apenas um último resíduo no conjunto da bicharada.

Dito isso, antes do miolo do livro, convém certo conforto ao leitor sobre o título do volume, bem enigmático, mas esclarecedor: zoografia é a descrição ou desenho de bichos ou animais. Está no dicionário. Zooalgia, contudo, é montagem de bicho com dor, dor de membro ou do corpo. E aí está: há dores nos bichos, até muita dor, fato a que os humanos pouco atentam, preocupados em geral apenas com suas próprias dores. Magnífica lição de sensibilidade mais que humana do autor.

Os dez textos que formam o miolo escrito e de fôlego são narrativas – contos, quase-contos, protocontos – que desafiam a leitura, sem se quadrarem em quase nada de gênero literário convencional, mas com invenção contínua e expressão de linguagem para gerar e construir personagens e acontecimentos extravagantes e excêntricos e, às vezes, monstruosos, como o peixe desmarinado e desarvorado. Tudo na tradição do grotesco.

Curiosamente, entretanto, não se formam alegorias específicas, nem gerais, porém tudo nessas narrativas é animal e também humano, inseparavelmente.

Quando os rinocerontes filosofam sobre o idealismo alemão dos séculos XVIII e XIX e suas repercussões até o século XX, isso é para ser levado a sério ou está montada uma astuta farsa, como o paradoxo do mentiroso e arredores? O leitor que se decida, se isso for possível.

E quando uma tartaruga bem velhinha – as tartarugas vivem muito, são longevas – internada no asilo padece de loucura senil ou do mal de Alzheimer, ela é acompanhada com extrema e comovente empatia e sensibilidade, como a desvelar o destino comum dos humanos muito idosos.

Lendo este livro extraordinário há muito mais para o leitor espantar-se e considerando que seu autor, que é também músico, escreveu-o aos 22 anos, trata-se de acontecimento literário e humano de fazer cair o queixo, como diria o nosso velho e sempre novo Machado de Assis.

Contos / Ficção

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Matheus Zucato
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