Em Um sertão chamado Brasil, Nísia Trindade Lima realiza de modo admirável uma rica incursão pelos diversos campos da cultura: ora a autora se imiscui pelo terreno da história das mentalidades e das ciências no Brasil, assumindo a postura de socióloga arguta nas suas análises do composto interior-litoral; ora volta-se para problemas antropológicos, que invariavelmente nos levam até hoje a articular a mais complexa das definições nacionais, a do ‘ser brasileiro’.
Trabalhando com um aparato teórico sólido e sem preconceitos intelectuais com respeito a figuras tão díspares, que formam o elenco da intelligentsis do nosso país nos últimos cento e cinqüenta anos, Nísia indiscutivelmente contribui para um conhecimento profundo do significado que ‘sertão’, como conceito, adquire no contexto maior de um Brasil que abraçou calorosamente a modernidade mas sem ter antes averiguado o seu ‘preço’. O estudo sobre os percalços de uma nação consciente de suas necessidades médicas e sanitárias, e com afã de progresso, mas que contraditoriamente, ainda se debatia contra o pouco-caso das instituições, é um dos pontos centrais desta obra. Personagens como Euclides da Cunha, Belisário Penna, roquete Pinto, Oswaldo Cruz, Cândido Rondon, Monteiro Lobato e outros são estudados comparativamente pela autora, que não só revela os seus pontos de contato, mas também não se furta à ocasião de apontar seus descompassos.
Com este estimulante trabalho, Nísia Trindade Lima nos oferece uma rara oportunidade de poder refletir sobre o papel da linguagem nas ciências sociais. O leitor notará que pela sua elegância argumentativa e discursiva, o prazer da leitura de Um sertão chamado Brasil se define pelo feliz consórcio dos modos descritivo e interpretativo das exposições, o que faz ressaltar, ainda mais, o forte caráter humanístico do livro.
Leopoldo M. Bernucci
University of Colorado at Boulder, EUA