[Transposição, 1969, Orides FONTELA] Poemas de 1966-7.
Orides Fontela, uma das mais importantes poetas contemporâneas brasileiras, nasceu em São João da Boa Vista (SP) no ano de 1940 e faleceu em Campos de Jordão (SP) em 1998. Mudou-se em 1967 para a capital paulista, onde cursou filosofia na Universidade de São Paulo. É autora dos livros de poesia Transposição (Instituto de Espanhol da USP, 1969), Helianto (Duas Cidades, 1973), Alba (Roswitha Kempf, 1983), Rosácea (Roswitha Kempf, 1986) e Teia (Marco Zero, 1996). Sua obra foi reunida em 2015 pela editora Hedra, acrescida de poemas inéditos.
Os poemas a seguir foram selecionados do seu primeiro livro Transposição (Instituto de Espanhol da USP, 1969), cuja edição foi coorganizada por Davi Arrigucci Jr., amigo e conterrâneo da autora.
ARABESCO
A geometria em mosaico
cria o texto labirinto
intrincadíssimos caminhos
complexidades nítidas.
A geometria em florido
plano de minúcias vivas
a geometria toda em fuga
e o texto como em primavera.
A ordem transpondo-se em beleza
além dos planos no infinito
e o texto pleno indecifrado
em mosaico flor ardendo.
O caos domado em plenitude
a primavera.
LUDISMO
Quebrar o brinquedo
é mais divertido.
As peças são outros jogos:
construiremos outro segredo.
Os cacos são outros reais
antes ocultos pela forma
e o jogo estraçalhado
se multiplica ao infinito
e é mais real que a integridade: mais lúcido.
Mundos frágeis adquiridos
no despedaçamento de um só.
E o saber do real múltiplo
e o sabor dos reais possíveis
e o livre jogo instituído
contra a limitação das coisas
contra a forma anterior do espelho.
E a vertigem das novas formas
multiplicando a consciência
e a consciência que se cria
em jogos múltiplos e lúcidos
até gerar-se totalmente:
no exercício do jogo
esgotando os níveis do ser.
Quebrar o brinquedo ainda
é mais brincar.
MÃOS
Com as mãos nuas
lavrar o campo:
as mãos se ferindo
nos seres, arestas
da subjacente unidade
as mãos desenterrando
luzesfragmentos
do anterior espelho
com as mãos nuas
lavrar o campo:
desnudar a estrela essencial
sem ter piedade do sangue.
Poemas, poesias