As onze teses sobre Feuerbach
“É o menor documento de nossa tradição filosófica ocidental”, diz o filósofo francês George Labica, “é igualmente o mais célebre, o mais citado e o mais sobrecarregado de comentários contraditórios”. E talvez a principal razão de tanto barulho seja a 11ª tese.
1 A falha fundamental de todo materialismo precedente, incluindo o de Feuerbach, está em que só capta a coisa, a realidade, o sensível, sobre a forma do objeto ou da contemplação, não como atividade humana sensorial, como prática, não de um modo abstrato, em contraposição ao materialismo, pelo idealismo, o qual, naturalmente, não conhece a atividade real, sensorial, como tal. Feuerbach procura objetos sensíveis, realmente distintos dos objetos conceituais, mas não concebe a atividade humana, ela própria, como uma atividade objetiva. Por isso, na essência do Cristianismo, só se considera como autenticamente humano o comportamento teórico. A prática, pelo contrário, é entendida e fixada apenas na forma de manifestação suja, judia. Daí que Feuerbach não compreende a importância da atividade “revolucionária”, da atividade “crítico-prática”.
2 O problema de saber se ao pensamento humano se pode atribuir uma verdade objetiva não é um problema prático. É na prática onde o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade, o poder, a materialidade do seu pensamento. A discussão em volta da realidade ou irrealidade do seu pensamento – isolado da prática – é um problema meramente escolástico.
3 A doutrina materialista da mudança constante das circunstâncias e da educação esquece que os homens fazem mudar, eles próprios, as circunstâncias e que o educador necessita por sua vez de ser educado. Há pois que distinguir na sociedade duas partes, uma das quais se encontra colocada por cima dela. A coincidência da mudança das circunstâncias coma mudança da atividade humana ou com a mudança dos próprios homens, só pode conceber-se e entender-se racionalmente como prática revolucionária.
4 Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa do homem, do desdobramento do mundo em um mundo religioso e um mundo terreno. O seu trabalho consiste em reduzir o mundo religioso ao seu fundamento terreno. Mas o fato de que o fundamento terreno se separe de si próprio para se plasmar como um reino independente que flutua nas nuvens é algo que só pode explicar-se pelo próprio afastamento e contradição deste fundamento terreno consigo mesmo. Portanto é necessário tanto compreendê-lo na sua própria contradição como revolucioná-lo praticamente. Assim, pois, por exemplo, depois de descobrir a família terrena como o segredo da família sagrada, há que destruir teórica e praticamente a primeira.
5 Feuerbach não se dá por satisfeito com o pensamento abstrato e recorre à sensível contemplação. Não concebe, porém, a sensibilidade como atividade sensorial-humana prática.
6 Feuerbach resolve a essência religiosa na crença humana. Mas a essência religiosa não é alguma coisa que seja abstrata e imanente a cada indivíduo. É na sua realidade, o conjunto das relações sociais. Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, vê-se obrigado portanto:
→ A prescindir do processo histórico, plasmando o sentimento religioso por si e pressupondo um indivíduo humano abstrato, isolado.
→ A essência só pode conceber-se, portanto, de um modo genérico, como uma generalidade interna, muda, que une de um modo natural, muitos indivíduos.
7 Feuerbach não vê, por isso, que o próprio “sentimento religioso” é um produto social e que o indivíduo abstrato que ele analisa pertence, na realidade, a uma determinada forma de sociedade.
8 Toda a vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que induzem a teoria do misticismo encontram a sua solução racional na prática humana e na compreensão desta prática.
9 O máximo a que pode chegar o materialismo contemplativo, isto é, o que não concebe sensibilidade como uma atividade prática, é contemplar os diversos indivíduos soltos e isolados dentro da “sociedade civil”.
10 O ponto de vista do materialismo antigo é a sociedade civil; do materialismo moderno, a sociedade humana ou a humanidade social.
11 Os filósofos limitaram-se até agora a interpretar o mundo de diferentes maneiras. O que importa é mudá-lo.
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