Quando o escritor britânico Ian McEwan conquistou o importantíssimo prêmio literário Booker Prize, em 1998, esbanjando prestígio no mundo inteiro, a editora Rocco reuniu seus dois primeiros livros numa única edição. Em Primeiro amor, último sacramento & Entre lençóis, oito contos mostram claramente por que o autor chegou ao pódium. Não há possibilidade de ler suas histórias sem sentir o prazer e a inquietação, indispensáveis a uma boa ficção. E este é um autêntico Ian McEwan — sensibilidade aos problemas da sociedade de seu tempo, narrativa em ritmo de thriller e, ao mesmo tempo, a reinvenção da tradição britânica de romances, com toques de humor macabro e virulência. O conto Conversa com um homem-armário é uma obra de arte, que começa com a infância do personagem principal, acenando para o precipício que virá nas páginas seguintes. Acompanhar a trajetória em que ele confessa ter desejado "menos liberdade" e vê-lo concluir, após ter sido fechado dentro de um forno aceso, que quer "ser pequeno" para todo o sempre, perturba, mas explica claramente o sentimento de quem se sente excluído. "Por que preciso andar por aí, trabalhar, cozinhar e fazer as centenas de coisas que uma pessoa precisa fazer todo dia para se manter vivo?", pergunta ele, desanimado e invejando os bebês, sempre embrulhadinhos e carregados pelas mães. McEwan coteja suas histórias com pornografia, refinado humor, alguma loucura e muita adrenalina para oferecer a melhor literatura — aquela que não aborrece jamais o leitor. Borboletas é um dos contos mais aflitivos; começa com a frase "Vi meu primeiro cadáver na quinta-feira" e termina com a descrição de uma cena de abuso sexual e morte de uma criança. Reflexões de um símio manteúdo caminha em sentido inverso: busca o risível. "Os comedores de aspargo conhecem o cheiro que ele deixa na urina..." é a primeira linha do conto. Lá pelas tantas, o anti-herói se esbalda: "Eu me dava parabéns de hora em hora pela minha recente promoção de animal de estimação a amante, e deitado de costas, com os braços cruzados na nuca, pernas cruzadas, eu especulava sobre promoção maior ainda, de amante a marido". Seja qual for o tema, seja qual for o grau de perversidade, amoralidade ou perspicácia, a narrativa de Ian McEwan é absolutamente irresistível...da primeira à última página.