Pedaço de pano para secar enxurrada

Uma plantação de aspargos orgânicos na Holanda.
Um acampamento hippie em uma ilha paradisíaca no Irã.
Um bar embalado ao som do vinil no subterrâneo da moderna Seul.
Uma escola básica na segunda maior cidade do Quirguistão.
O que esses lugares têm em comum?
Eles representam alguns dos espaços inesperados pelos quais transitam os contos reunidos no livro de estreia de Guilherme Eisfeld, menino curitibano que tem o barato de mochilar pelo mundo.
Nesses espaços, Guilherme privilegia a escrita em primeira pessoa que se desdobra para acessar pontos de vista de personagens locais e que confere uma perspectiva humana a situações permeadas por desigualdade, injustiça e opressão – quem conhece o mundo do trabalho precário sabe que não é preciso ir longe para encontrar um drama que impulsione a narrativa; mas ir longe e encontrar tais situações repetidas à exaustão é algo que nos ajuda a perceber a dimensão compartilhada de alguns dos nossos dramas.
Para abordá-los, o autor não sucumbe à tentação das fórmulas talhadas para extorquir uma resposta emotiva do leitor.
Acredito que ele é capaz de fazer isso porque a sua bagagem o leva a estar atento aos momentos nos quais os encontros, ou reencontros, possibilitam algum vislumbre de redenção – sugiro que você não deixe de ler este livro até encontrar a cena na qual um andarilho tem o rosto tocado pelas mãos de uma idosa cega que vive em um ponto da antiga Rota da Seda, em meio a um agrupamento de origem nômade.
O livro do Guilherme também pode surpreender o leitor ao brindá-lo com criativos experimentos de escrita: em um deles, ao longo
de três contos, a mesma história é narrada a partir de três vozes distintas e complementares.
Por esses motivos, e por tantos outros – que seguramente o leitor encontrará trilhando o seu próprio percurso –, é uma alegria viajar pelas páginas de Pedaço de pano para secar enxurrada.

Rafael Ginane Bezerra

Contos / Literatura Brasileira / Turismo e Viagens