"Se vós não tendes salgema, não entreis neste poema". A advertência de Jorge de Lima serve também para o leitor destas duas novelas de Maria José Limeira, ora reunidas num volume. Com efeito, é um mundo insólito o que se revela a quem se adentra nestas páginas.
Um mundo insólito e perturbador.
É que Maria José Limeira coloca seus personagens numa situação-limite. Não que a narrativa vá se desenvolvendo até chegar a este ponto-chave. É já a partir do primeiro instante que esta altitude é fixada. Não existirá, assim, uma evolução dramática do personagem, mas um situar-se deste num círculo que se fecha.
Um tema é relevante na ficção de Maria José Limeira: o da solidão humana, como se. esta fosse o próprio estigma da condição do homem.
Salomão o personagem de "Salomão, meu Cão" - vive todos os seus instantes dentro deste círculo, do qual não lhe é possível escapar. A solidão lhe é condicionada, mas, alcançado o momento da libertação, por uma via extremamente dolorosa, é uma solidão maior que encontra à sua frente. Da solidão particular individual, ele chega, através de corredores vazios, à solidão cósmica. É certo que nesta narrativa interessou à escritora uma reflexão além do personagem. Mas, é através dele que o mundo que se pretendia revelar é explicitado.
Em "Olho no Vidro" - segunda novela deste volume e que dá titulo ao livro - é ainda a solidão o tema determinante. A trajetória de Ana Rosa, da infância à velhice, traz esta marca: a da incomunicabilidade entre os seres, daí a sua reflexão: eu também tenho olhos duros. Se tema principal, ou pelo menos o que primeiro aflora à percepção do leitor, não é a solidão o motivo único dessas narrativas. É todo um amálgama de situações, são correntes diversas que se entrecruzam, chocam-se e fluem, formando um es- tranho labirinto, às vezes ilógico, mas sempre sensível. Também labiríntica é a linguagem. E se a escritora usa sempre o processo de fluxo da consciência, não poderia ser diferente esta linguagem, que é o próprio modo de percepção e de expressão dos personagens. Portanto, o modo de revelá-los. A sensibilidade da escritora o seu domínio narrativo faz-se neste processo de revelar personagens através da própria linguagem deles. Assim, é uma linguagem expressionista, de timbre torturado, e que se desenvolve num ritmo nervoso, mas lento. Em Maria José Limeira, o discurso narrativo tem essa peculiaridade: o de não afastar-se do personagem criado. O personagem é o discurso. Daí a veracidade dessa ficção.
Jurandy Moura
Literatura Brasileira