O Livro de Ana

Carlos Azevedo é, como costumamos chamar os que se destacam na profissão, "um jornalista de renome". Repórter, editor e escritor, iniciou sua carreira em 1960, passando por diversas redações, entre elas de O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Participou do time fundador da revista Realidade, que inspirou toda uma geração de jornalistas independentes e inovadores. Depois de um período na clandestinidade durante a ditadura, voltou ao jornalismo como repórter do Globo Rural, da TV Globo, atuando depois na imprensa independente em Caros Amigos e Retrato do Brasil. Foi também um dos coordenadores do programa de TV da campanha de Lula à presidência em 1989. Em 2007, lançou o livro Cicatriz de Reportagem, uma coletânea de suas melhores reportagens, e em 2011, o livro Jornal Movimento: uma reportagem. Mas este seu terceiro livro, "O livro de Ana", não é uma obra sobre reportagens e notícias, é uma homenagem; e o Azevedo que escreveu e organizou a muitas mãos estas memórias não é o Carlos Azevedo jornalista, é o Azevedo pai, amigo e companheiro de todas as horas de sua filha, a advogada Ana Carmo de Azevedo que partiu precocemente em 2004 após travar uma dura batalha contra o câncer.

Nas páginas finais deste emocionante livro, Azevedo "explica" sua motivação para publicá-lo:

"Esta é uma obra coletiva, construída com a soma da memória, de anotações, documentos, entrevistas e saudade de várias pessoas. E escrita por mim.
Desde que minha filha nos deixou prometi a mim mesmo que faria este livro. Demorei dezoito anos. A dor e o inconformismo me impediam. Tentei muitas vezes entre juramentos de que o faria. Mas os textos saíam cheios de raiva e acabavam em becos sem saída. E o resultado era de frustração, de sentimento de falta com o compromisso assumido. É que a cada palavra eu queria me vingar e assim não conseguia ir adiante. Afinal, percebi que só com a contribuição de muitos outros conseguiria realizar essa obra. Além do mais, sabendo que os dias se encurtam para mim, penso que cheguei à serenidade necessária para contar a história de Ana.
Tinha de memória e em inúmeros registros muita informação e muita fotografia dela (percebi que a vida de Ana tinha sido fotografada, a mais das vezes por mim).
Pescando nas anotações da mãe em várias agendas da época havia detalhes até então desconhecidos. Perdidos pelos armários da casa jaziam pacientemente à espera desde cadernos de estudante, documentos da militância no movimento estudantil até as centenas de e-mails que Ana trocou com os familiares durante o período que viveu em Paris. Graças aos cuidados de sua mãe, coletora compulsiva, estavam em grande maioria preservados, impressos. Não me lembrava disso e ao compulsá-los veio a primeira surpresa.
Também não lembrava que durante as duas cirurgias de Ana registrei os acontecimentos em diários manuscritos que reencontrei. Foi a segunda surpresa.
A terceira nem foi tanto surpresa porque me lembrava de haver escrito, mas ao deparar com os registros me surpreendi com os detalhes de seus últimos dias e revivi aquela grande dor entre muitas lágrimas. E choro toda vez que releio. Mas a maior surpresa veio das entrevistas que decidi fazer com suas amigas e amigos. E aí descobri que sabia muito pouco sobre a Ana, ela era muito mais que minha filha, muito maior do que eu imaginava.
Foi uma pessoa simples e dedicada aos outros. Nela tudo foi grande: o empenho nos estudos, a opção pelos pobres e o socialismo, a criatividade no trabalho, a emoção, a sensibilidade, a amizade, a generosidade, a capacidade de unir e apaziguar. Foi grande no sofrimento. Mas acima de tudo foi grande no amor. Uma vida extraordinária".
Carlos Azevedo

Biografia, Autobiografia, Memórias