Como um bom discípulo de Borges, Rafael Bassi apresenta um livro calcado na tradição histórica, filosófica e literária, sem deixar de lado a ternura infinita de gestos mínimos e a cadência das melhores narrativas. Se nestas páginas estão presentes Borges, Cortázar, Kafka, Aristóteles, há também a simplicidade das histórias contadas numa mesa de bar, o arrastar de passos que improvisam uma valsa no meio da sala e o sabor inesquecível do bolo de cenoura da avó. O dia em que enganamos a morte reúne contos que desafiam a ficção na mesma medida em que a abraçam e, nesse equilíbrio, nos fazem acreditar que os fatos aqui narrados são parte da realidade: ao mesmo tempo em que despertam a vontade de ir em busca de confirmações, não permitem interromper a leitura, pelo desejo de seguir adiante e pela prevalência da verdade narrativa – aquela que se estabelece no pacto entre leitor e obra. É um livro que não se encerra em suas páginas, mas ensina uma postura frente ao mundo, renovando a desconfiança nos fatos mais arraigados, despertando a curiosidade e a esperança. Narrar é preciso, é o que nos mostram estas personagens: no horror dos tempos, contar histórias é lutar contra a falta de sentido, é ordenar o caos e transformá-lo em sensível, em algo passível de ser compartilhado. Cada um se agarra à revolução que pode realizar, diz o narrador de um dos contos. Rafael Bassi se agarrou às palavras e nos presenteou com histórias que alcançam o efeito raro de se integrar à vida, ficando na memória como se contadas por um amigo.
- Por Marina Nogara
Literatura Brasileira / Não-ficção