“Fiquei inclinado a ver certa tensão afetivo-sexual no que a maioria deliberou ter sido amizade [entre o poeta Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852) e o porto-alegrense Luiz Antônio da Silva Nunes (1830-1911)], termo utilizado pelos dois para comentar o que sentiam mutuamente. Tanto me dobrei, que flertei com o termo ‘crush’. A gíria permite, assim como a formulação do amor platônico, raciocinar sobre um sentimento amoroso que, amiúde, acontece somente para uma das partes.
Historiadores, no entanto, têm o dever ético de alertar para os riscos. Para um lado ou para outro, basta puxar a corda. A imaginação, em geral, ganha terreno fértil, enquanto a razão é jogada em solo árido. Aos apressados, aqui os avisos pipocam como ímãs em geladeira de colecionador. Vida e obra se entrelaçam à revelia de rupturas idealizadas. Ora andam abraçadas, ora se repelem.” Jandiro Koch
O historiador Jandiro Koch apresenta aqui seu segundo ensaio biográfico-histórico (o primeiro foi editado no belo livro “Babá, esse negro depravado que amou)”, agora abordando a figura consagrada de Álvares de Azevedo, o poeta que morreu jovem, o ultrarromântico típico, um quase James Dean do século XIX brasileiro.
Jandiro Koch não faz de seu objeto ou de seu texto uma plataforma de reivindicação, quer dizer, não retorce os dados de sua pesquisa para que digam algo que ele previamente pensava sobre as pessoas e tempos que aborda. Como vai se ver no correr do texto, o autor está aberto à dúvida, sem que isso implique diminuir seu interesse em encontrar pontos seguros de informação. Aliás, o que é mesmo que o autor pensa de seu biografado? Que ele era o que hoje se chama de gay, ou homossexual? Nem essa resposta é óbvia, o que é mais um valor positivo do texto. Dá a boa impressão de que Jandiro, aparelhado de ótimo faro de pesquisador e informado por uma boa suspeita de que sob encobrimentos e silêncios há a velha e boa vida humana, cheia de contradições e belezas, sabe que perguntar é melhor que responder. E que grandes e certeiras perguntas há aqui o leitor vai logo descobrir. Não precisa concordar com nada, e pode mesmo entrar nestas páginas desconfiando de tudo. O certo é que o leitor, aqui, vai ser conduzido por um passeio pelos meandros da vida e da criação artística que interessam não apenas aos ocupados em Álvares de Azevedo, ou em temas LGBT, ou no século XIX, ou no Romantismo, mas a todos os que se fascinam com a aventura humana chamada arte.
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