O céu e o fundo do mar

A mulher de um desaparecido político e um pequeno traficante de drogas encontram-se em pleno período da anistia. Ela, ainda procurando manter o seu luto, imersa nesta espécie de "tempo morto" dos afetos. Ele, ao contrário, despertando para os mistérios do coração. O encontro de suas necessidades poderia ser uma história de amor, não fossem as memórias da violência e da tortura a bloquear quase tudo que não aquele passado de renúncia e perda, que teima em retornar sob a forma de dor e desolação. Como a tragédia clássica que aponta para a inexorabilidade do destino de seus personagens, 'O Céu e o Fundo do Mar' representa também uma história de impossibilidade. Aqui, no entanto, o autor não lida com "destinos", mas com os corações e mentes destes pobres animais humanos, todos nós.



"A mulher de um preso político desaparecido se relaciona com um traficante de drogas bem pé-de-chinelo. Mas tão importante quanto a narrativa é o modo de narrar do cineasta-escritor. Tecnicamente, o livro é um argumento - não um roteiro, talvez um copião - de filme. Em suma, uma sucessão de descrições de imagens e de falas em que se estabelecem relacionamentos algo insólitos, mas verossímeis. A essa rica linguagem cinematográfica, serve de apoio e estrutura uma linguagem rarefeita, de frases curtas, poucos períodos compostos e raríssimos por subordinação. O filme, ou melhor, o livro, documenta o modo de pensar globalizado difundido no Brasil, principalmente por Paulo Francis. Uma linguagem que não usa conjunções subordinativas para descrever um mundo sem lógica visível e sem rumo, que não passa de uma sucessão caótica de situações. Em suma, o modernismo ansiado pelos militantes antiditadura se transforma no pós-modernismo sem meta dos anistiados a caminho do poder." (Renato Pompeu)