Não deixe a chama apagar

Falamos pouco sobre o paradoxo que é viver a dois dentro de uma rotina com muitos. Aquilo que chamamos de viver em família.

O se ver completa, mas em certas ocasiões ter certeza de que um pedaço está faltando. Ora acreditar que ganhou na loteria da paixão, ora se sentir injustiçada. Carregar no coração um amor imenso pelos filhos, mas ter momentos em que gostaria de experimentar a vida sem as constantes responsabilidades que esse amor implica. Ter adoração pela pessoa que está ao seu lado, mas ranger os dentes de raiva durante longas brigas mentais, cheias de acusações e confiante de que está coberta de razão. Há instantes de vazio e solidão, mas também existe o desejo de ficar quieta, sem ser chamada, requisitada ou tocada.

Parte do desafio da vida em família é navegar pela inconsistência. Pela intensidade de testemunhar todos os tipos de transformações. As das crianças, as do casal. Novos com- portamentos, novos papéis, mudanças no corpo, na mente. O passar dos anos, os objetivos recalculados enquanto trocam fraldas, têm conversas importantes com o adolescente, pedem comida por um aplicativo porque ninguém está a fim de encarar o fogão, e reagendam o sexo para amanhã, já que não rola há dias, mas hoje o sono tá brabo.

Viver em família é encarar sentimentos que até então eram tidos como contrários. É descobrir na marra o que pouca gente fala abertamente: que nos relacionamentos familiares há muito amor, mas há também raiva, implicância, egoísmo. Há respeito, mas há erros, palavras ditas sem pensar, arrependimento e perdão. Há vontade de esganar, e de pegar no colo, de querer colo, de se sentir sexy, e carente, e querida, e estressada, e fora do peso, e produtiva, e pê da vida, e brochada, e amada novamente.

Eu não espero que este livro transforme sua vida, sua maternidade, seu relacionamento. Meu desejo profundo é de aqui você encontre o lembrete de que viver em família é mesmo complexo demais e, por vezes, difícil. Venho descobrindo que o mais importante em uma relação não é manter a chama ardente. Mas construir um amor reajustável. Capaz de mudar, insistir, ceder, reacender. A chama, sim, se apaga. Esse deveria ser o início de toda conversa sobre relacionamentos duradouros, pois, só assim, podemos abraçar com mais sabedoria e gentileza o paradoxo que é amar e conviver.