Beluga 27/03/2017
Reflexões de um sábado
Confesso que jamais havia lido qualquer coisa de Ian McEwan; por isso, num desses arroubos de só ir comprar um livro pra ler e despertar meu interesse, comprei logo duas obras suas, ‘Sábado’ e ‘Redenção’. Acabei indo primeiro em ‘Sábado’, justamente por ser menos aclamado do que o outro; fiquei com medo de acabar não apreciando uma obra boa se lesse uma incrível. A mente humana tem dessas coisas.
‘Sábado’ é um romance breve sobre um fatídico sábado na vida do bem sucedido neurocirurgião Henry Perowne, situada na época da invasão do Iraque. O livro traz como pano de fundo toda a questão do pós 11 de Setembro, e como o terror se torna uma espécie de fantasma constante na vida de todos; a percepção do protagonista sobre um avião pegando fogo já o leva à imaginar um ataque terrorista em Londres. Acompanhamos um narrador onisciente, que acaba por se mesclar com as correntes de pensamento de Perowne, eterno indeciso, incapaz de de fato ter uma opinião amadurecida sobre a invasão iminente. Quando discute com um lado, Henry acaba buscando apenas ser ‘racional’ e apresentar o outro lado da questão, sem com isso conseguir de fato afirmar a independência que busca. Apesar de bem sucedido, Henry sente-se medíocre, passivo, incapaz de influir em nada nos acontecimentos que estão por vir e sendo um eterno consumidor do medo infundido pelos telejornais; tentar não sucumbir à rigidez de um dos lados da questão é uma espécie de grito de independência, que, na realidade, é realizado por tantos outros. Incapaz de se dissociar de sua própria aura racional, o protagonista também se vê alheio à poesia e literatura que lhe é apresentada pela filha Daisy, poeta nata. Assim, é irônico que no fim seja justamente a arte que resolva o clímax do livro.
O livro é repleto de temas interessantes, contrapondo a infelicidade geralmente presente em livros pós-modernos com uma sensação de satisfação sentida por Perowne em relação à própria vida, sem com isso estar alheio ao sofrimento dos outros. É, porém, uma das questões secundárias de ‘Sábado’ que me deixou extremamente consternado: a inexorabilidade do tempo. O declínio de sua mãe, Lily, o faz ponderar quão rapidamente a vida de alguém pode ser resumida em um punhado de objetos de seu lar, que perdem o sentido sem seu usuário original. A inevitabilidade de sua morte, fazendo Henry refletir sobre alguns de seus hábitos afim de postergá-la, me fez pensar por longas horas em como não deveria ser normal o desprendimento que temos com nosso futuro. O tema é batido, e definitivamente não é o foco do livro, mas fiquei com a questão: Dado que ninguém duvida de que vai envelhecer, e também todos temos certa noção de que determinados hábitos vão cobrar uma conta demasiadamente alta anos a frente, por que ainda não ligamos o suficiente? Ou melhor: por que eu não ligo? Seria uma espécie de medo de admitir que esse declínio pode acontecer comigo? Uma esperança desmedida no futuro da medicina, talvez, ou a eterna procrastinação para um momento onde eu tenha mais tempo e a perspectiva de ter mais um aspecto meu a ser trabalhado não me cause ansiedade? Vai saber. Vou esperar meu terapeuta pra responder essa.
site: https://medium.com/@tamireinhornsalem/reflex%C3%B5es-de-um-s%C3%A1bado-7b5a4658d2e1#.lite0cy86