Isabella.Wenderros 15/10/2020“Essa é a história da minha vida. Amarga. Tão amarga.”Na aldeia de Salem, em março de 1692, uma histeria coletiva fez com que várias mulheres fossem acusadas de bruxaria. Ao longo dos séculos, vários livros, filmes e documentários foram produzidos na tentativa de explicar o que fez com que dezenove mulheres – e um homem – fossem condenadas à morte, entretanto, quase nada se fala sobre a mulher negra que foi uma das primeiras “bruxas” presas. Em “Eu, Tituba”, a autora Maryse Condé decide dar voz à essa personagem que foi apagada da história através de um romance.
Fruto de um estupro, Tituba conheceu desde cedo os horrores em que as pessoas escravizadas viviam. Aos sete anos presenciou o momento em que o dono da plantação tentou violentar sua mãe e foi apunhalado pela mulher que não aceitava reviver aquele trauma. Como consequência, Abena foi enforcada, já que cometeu o maior crime de todos ao levantar a mão contra um homem branco, que apenas estava querendo usufruir de sua ‘propriedade’ – simplesmente pensar nisso já me dá ânsia.
Após a morte da mãe, Tituba é acolhida por uma curandeira da região que conhece as ervas, mantêm vivo o conhecimento e realiza os rituais ancestrais. Anos depois, ao conhecer John Indien, a jovem abandona a pequena liberdade conquistada para seguir aquele homem e é através dessa decisão que Tituba será vendida para o Reverendo Samuel Norris e levada para os Estados Unidos.
Eu acredito que mesmo se não soubesse o que aconteceu no vilarejo de Salém ,poderia perceber que algo ruim estava se aproximando. Desde o momento em que pisa naquele lugar, Tituba era vista como ‘a enviada do demônio’ por causa da cor de sua pele. Todos os moradores eram tão obcecados pela presença de Satanás, que não olhavam para as pequenas – e logo grandes – crueldades que faziam diariamente. Além da maldade que existia entre eles, também reinava a hipocrisia: assim que a onda de acusações começa, todos apontam para a negra que com certeza tinha levado o capeta até suas casas, mas quando ninguém estava olhando, corriam até ela desejando poções de todos os tipos e ainda se sentiam indignados quando recebiam um ‘não’. Também fica claro o machismo que corria sem rédeas por lá, já que o marido de Tituba, também um homem negro, é recebido com um pouco mais de simpatia entre os moradores e em nenhum momento acusam o rapaz de ser o enviado disso ou daquilo.
O que me fez gostar um pouco menos dessa leitura foi a escrita da autora. Embora eu tenha visto beleza, a narrativa foi tão lenta que em alguns momentos quase desisti, precisei forçar para continuar e descobrir o que aconteceria com a protagonista, nessa versão romantizada de sua vida. Também achei a parte histórica fraca, mas sei que o objetivo da autora não era criar uma biografia, já que não existem provas de nada.
Acontece que depois de sua prisão e soltura, se perde o rastro de Tituba. Como disse a autora, seja por um racismo consciente ou inconsciente, ninguém achou importante registrar o destino de uma escrava. Alguns dizem que ela foi comprada por um tecelão e terminou seus dias em Boston; outros que foi vendida a um comerciante e voltou à Barbados. Espero que um dia documentos, se existirem, sejam encontrados e que essa mulher ressurja para contar sua verdadeira história.