Bruna Coicev 08/02/2024
“A fé cega e o medo criado através da opressão se alimentavam de coisas parecidas, no fim das contas”
Foi a primeira vez que li um livro de Felipe Castilho, e amei a escrita do autor. O livro conta a história de quatro amigos, Caroline, Mariana, Hélio, e Paulo, que se conheceram e conviveram durante as férias no litoral norte paulista, até uma tragédia ocorrida no Réveillon de 1999 para 2000. Adorei a forma como a narrativa foi construída, revezando entre passado e presente, intercalando ainda com trechos de outras histórias, aparentemente deslocadas, mas que se entrelaçam com o mito da Ilha das Cobras, cenário do trauma vivido pelos quatro amigos. Inclusive, acredito que a forma como a narrativa foi desenvolvida me cativou e me prendeu ao livro, enquanto os pequenos trechos das outras histórias da ilha contribuíram para dar um ar místico a tudo.
O principal ponto que me incomodou na leitura foi sentir que a parte mitológica pareceu excessivamente abstrata; embora deixar aspectos como esse em aberto tenha seus méritos, terminei o livro com impressões muito intangíveis, com alguns pontos da história sem explicação. Apesar disso, e talvez por essa subjetividade, sinto que a parte mitológica não é o tema central do livro; é algo que nos envolve na história e nos guia ao longo do desenvolvimento dos personagens, mas não é o ponto principal.
Gostei de como o autor aborda muito bem questões como racismo, machismo, homofobia e desigualdade social, e como esses mesmos problemas são atemporais à sociedade que vivemos, não se limitando à narrativa do presente. Sendo Paulo o único menino pobre e negro do grupo, percebemos ao longo do livro as discrepâncias entre ele e o restante dos amigos, assim como a própria ignorância de Carol, Mari e Hélio, que foram criados em meio a muitos privilégios e mostram um certo distanciamento da realidade de Paulo. Entretanto, vemos também no desenvolvimento dos outros personagens traumas e questões familiares que os acompanham na vida adulta: Carol cresceu em um lar com um pai abusivo e uma mãe submissa; Mari cresceu em um lar aparentemente liberal, mas não soube lidar com os próprios traumas e sentimentos; e Hélio foi criado como um garoto mimado, que sempre conseguia o que queria, e precisava mostrar a todo instante sua superioridade, de um modo ou de outro. Justamente por isso, os personagens se mostram realistas, tendo cada um seus próprios defeitos e traumas, e diferentes formas de lidar com a dor e superar o passado. Apesar de sentir falta de um desenvolvimento um pouco maior de alguns do grupo, acredito que o arco dos personagens foi realista, mostrando que puderam ter uma segunda chance e realmente se aproveitar dela, aprendendo com os próprios erros e buscando viver a vida de forma mais plena, ainda que não de forma perfeita.