Fabio.Nunes 24/05/2024
Magistral!
A casa dos espíritos ? Isabel Allende
Editora: Bertrand Brasil, 2023
Como eu vou escrever uma resenha para esse livro? Não digo dessa vez por me faltarem palavras. Não. Mas por sua abundância.
No entanto, se me impondo a obrigação de tentar influenciar as pessoas a lerem mais (e melhor), vou iniciar essa resenha pelo fim:
Este é um dos melhores livros que já li na vida!
Se você não curte textos grandes ou não está com tempo agora, tudo bem. Fique por aqui e aceite minha recomendação.
Isto posto, vamos à história.
O livro conta a saga de uma família (os Trueba) ao longo do século XX num país desconhecido da América do Sul. Embora saibamos ser o Chile, poderia ser tranquilamente o Brasil ou outro país da América Latina, e por isso a autora deve ter escolhido não identificá-lo.
Seu patriarca é Esteban Trueba, um homem de ação, irascível, tirânico e representante do conservadorismo oligárquico, das tradições e de ideias ultrapassadas ? o famoso hipócrita. Possui uma fazenda abandonada pelo pai e a transforma em modelo de propriedade rural para o país, para o azar dos camponeses que lá trabalham em regime quase servil. Acumula dinheiro e poder, até conseguir uma cadeira no Senado.
Diferentes dele são o resto da família, principalmente as mulheres ? começando por sua esposa ? Clara Del Valle, com quem terá três filhos: Blanca, Nicolás e Jaime. Blanca, por sua vez, terá Alba, a neta tão amada por Esteban Trueba.
Mesclando três vozes narrativas (Esteban Trueba, Alba e um narrador onisciente), Isabel Allende nos carrega numa prosa ágil, se utilizando de um magistral realismo mágico, em que coloca a mulher no papel central da obra.
É importante frisar isso, pois, enquanto os homens estão numa busca incessante por ideais e por poder, são elas, as mulheres, quem de fato representam o grande pilar que sustenta tudo. E isso é admirável, pois está às claras ao mesmo tempo em que é sutil.
Elas representam, além da força, a clareza, a pureza, a honestidade, a arte e a magia. Não à toa a autora deu a elas os nomes de Nívea, Clara, Blanca e Alba.
Desde o início da obra a autora vai introduzindo aos poucos a política na vida cotidiana das personagens, num crescente até a parte final do livro, quando temos uma extraordinária aula de história que culmina na morte de seu tio-avô (o presidente Salvador Allende ? não nominado no romance) quando do golpe militar de Pinochet (também não nominado) em 1973.
Muito distante de ser panfletária, Isabel faz questão de pontuar diferentes nuances políticas, de forma a entendermos a história real por meio de suas personagens ficcionais.
Alba, uma das narradoras, escreve a história a partir dos ?cadernos de escrever a vida? que sua avó, Clara, desenvolveu desde muito nova, mas não os organizou cronologicamente, mas sim por acontecimentos. Essa é uma grande sacada da autora: a ciclicidade das coisas que transforma o tempo numa ilusão. Vemos esses ciclos ao longo do livro, com personagens repetindo ações de outros do passado. Acima de tudo, o livro é um grande ciclo, pois termina como começa.
Todo o realismo mágico e essa ideia de ciclicidade me fizeram lembrar muito de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.
Allende também usa de antecipações de acontecimentos ao longo de toda a narrativa, como quem diz ?tô te dizendo o que vai acontecer e ainda assim vou escrever de um jeito que vai te embasbacar?. E consegue!
Importante salientar a presença de Pablo Neruda na história, a que a autora dá a alcunha de ?o Poeta?.
Enfim, este livro é um grande monumento, onde vemos inscritos: as relações de poder, a luta por justiça, a vingança, os ciclos repetitivos, o poder da resistência justa, a piedade como quebra de ciclos de sofrimentos, a história do Chile e da América Latina, os absurdos de uma ditadura militar, da insensibilidade daqueles que podiam fazer algo e não fizeram, a polarização, os idealismos, o poder da mulher, as desigualdades e injustiças sociais? é tanta coisa que só lendo para você entender.
Faça-se este favor: leia este livro antes de morrer. E o faça logo, pois não sabemos nosso dia.