Laiza 15/10/2020
A Rede de Alice - Kate Quinn
Quando comecei A Rede de Alice, já senti que seria um livro que iria me marcar profundamente, e que com certeza iria entrar na lista de favoritos. E eu não poderia estar mais certa. Aqui acompanhamos a história de duas mulheres diferentes em contextos históricos distintos, mas que se complementa. Inicialmente, estamos em 1947, e somos apresentados a Charlie St.Clair. Charlie está grávida e solteira, para o desapontamento de seus pais. Como uma forma de resolver o seu "problema", seus pais a levam para a Europa para um "Compromisso". Ao fazer uma pequena parada na Inglaterra, e decide procurar pistas acerca do desaparecimento de sua prima, Rose, de quem não houve falar desde o final da segunda guerra mundial. As únicas pistas que Charlie têm, à levam a Evelyn Gardiner; uma senhora com problemas de gagueira e alcoólatra, que não parece muito disposta a ajudá-la. O segundo tempo da história, apresenta a própria Evelyn em 1915. Evelyn é recrutada como espiã para o exército inglês, e atuará na França ocupada em Lille, em conjunto a outras mulheres, na famosa rede de espionagem chamada de Rede de Alice.
Temos aqui uma história que mistura elementos fictícios com fatos reais. A rede de Alice de fato existiu, atuando fortemente nos territórios franceses ocupados, com o objetivo de coletar informações estratégicas que pudessem dar aos aliados pistas sobre eventuais movimento de tropas, recursos ou ataques. No livro, a autora traz personagens que de fato existiram dentro do esquema, mas de forma fictícia explora em conjunto com seus personagens, possíveis narrativas e acontecimentos. Isso com certeza da um outro gosto para a leitura, porque vamos conhecendo esse episódio da história que muitas vezes acaba ofuscado. No final do livro ela explica o que em sua história condiz com o real ou não, o que apenas aumenta ainda mais o desejo de saber mais sobre a rede de Alice.
É claro que, falando de uma rede de espionagem com a forte atuação de mulheres, temos, oportunidade de descobrir um pouco mais a atuação das mulheres na primeira guerra mundial, bem como as dificuldades e barreiras que elas enfrentaram. Desde os impasses que as mulheres tinham para atuar dentro das forças armadas, as dúvidas acerca de suas capacidades, como também as condicionantes que essas mulheres se submetem e aceitam para aturar enquanto espiãs. Como elas serviam em territórios ocupados, estes já tinham bastante violência e humilhação contra os civis, além da privação de alimentos, água, remédios, e as prisões e torturas contra aqueles que atuavam na resistência. Então, os espiões - não apenas aqueles que eram enviados pelos britânicos, mas os próprios franceses que estavam na resistência - tinham consciência dos riscos e eventuais ameaças que poderiam enfrentar. Não era um trabalho fácil, mas com certeza, ser uma mulher em território ocupado é mais assustador ainda: a violência sexual e de gênero eram, infelizmente, cotidianas; fossem elas de forma direta, ou até mesmo em detalhes, como a miséria e o desespero em alguns casos levando a estas mulheres a prostituição para conseguir alimento. No caso das espiãs, muitas descobriram que o uso do corpo muitas vezes torna-se a única saída para se livrar de uma eventual revista alemã, prisão, ou etc.
Mas os papéis das mulheres não são apenas levantados em relação a guerra, também temos o aspecto pessoal e cotidiano a ser explorado. A restrições e imposições que as mulheres tinham, em relação a liberdade sexual, financeira; bem como as estigmatizações do papel feminino como mulheres recatadas, femininas, e esposas. Essas discussão mais pessoal está bastante presente na história de Charlie, que ao estudar em uma graduação de matemática e logo depois se encontra em uma situação considerada atípica para uma moça solteira na época, se vê limitada às condicionantes da sociedade. A busca por pistas do paradeiro de sua prima, também torna-se uma maneira de Charlie se libertar dessas amarras, impostas fortemente por seus pais.
A intercalação dos tempos entre os dois conflitos e as vidas das duas mulheres acaba fazendo com que o leitor fique totalmente viciado na narrativa. A autora vai calmamente conectando as histórias, e ao longo do livro percebemos como tudo está ligado e o que vai impactando no presente. Nosso primeiro contato com Evelyn se faz através de Charlie, então sabemos que sofreu ao longo da vida e em decorrência disso possui traumas psicológicos. Então, o leitor tem a noção de que precisa se preparar para uma história dolorosa. Isso torna a leitura angustiante, pois você tem a expectativa de que algo acontecerá, o que deixa nosso coração na mão. Cada revelação, acontecimento, e término de capítulo, faz com que seja difícil demais largar o livro. Conforme a história avança para o final, o leitor fica cada vez mais imerso no livro e ansiando em descobrir como tudo irá terminar; Kate Quinn traz o ápice de sua história com maestria e carregado de ação e reviravoltas. Tudo se desenrola e encaixa perfeitamente.
Ao ler algumas resenhas, percebi que algumas pessoas não conseguiram se conectar com a parte de Charlie ou acharam que foi algo bem superficial, em relação a história de Evelyn. Para mim, ambas cumprem propósitos diferentes e é justamente a conexão entre as duas que traz a história o sentimento de união e superação. Ambas encontram uma na outra a força necessária para seguir em frente e para acertar as contas com o passado; é essa aliança e empatia entre essas mulheres que completa a narrativa. Ademais, acho que comparar as vivências entre as duas mulheres algo complicado; já que temos um contexto histórico totalmente diferente, além de que havia expectativas e estigmas diferentes sobre essas mulheres. Ambas as histórias possuem relevância ao abordar questões inerentes ao papel feminino, pois ambas debatem situações e vivências diferentes, que no fim se complementam. A vida das mulheres não é interessante apenas quando se depara com algo atípico ou extraordinário, mas também em seus íntimos e cotidianos.
A Rede de Alice é um livro extremamente doloroso, impactante e angustiante. Uma história sobre mulheres fortes, que quebram padrões e vão atrás de seus próprios destinos. Foi uma leitura que demandou algumas semanas, já que ficava muito nervosa e ansiosa lendo, então quando você lê, você o devora; decidi ir lendo aos poucos, para sentir a leitura com calma. Para mim, esse é o tipo de leitura essencial; uma experiência capaz de prender o leitor, fazê-lo chorar, torcer, se angustiar, divertir, e tudo. Com certeza, tornou-se uma das minhas leituras favoritas da vida.
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