Karina Matos 20/06/2019
Ainda melhor que o anterior
Eu sempre tive mais dificuldade de defender os livros que adorei, do que de explicar os motivos de não ter gostado de uma leitura. Então saiba que estou depositando todos os meus esforços nessa resenha para te convencer a ler Fodeu Geral. :)
Desde que eu li A Sutil Arte de Ligar o Foda-se, tenho esperado ansiosamente por outros livros do Mark Manson. A escrita dele me encantou por ser muito simples e leve – mesmo quando está dando dados de pesquisas e estudos científicos ou usando filosofia antiga para embasar suas ideias, Mark usa uma linguagem muito descomplicada e atual, inclusive fazendo piadinhas descontraídas aqui e ali.
Nesse sentido – e nos outros também! –, Fodeu Geral não decepcionou. A escrita do autor continua impecável e divertida, e eu acrescentaria um outro elogio à ela nesse segundo livro. Assim como na Sutil Arte, muitas ideias e conceitos são abordados, e, ainda que a esperança seja o tema principal, muita coisa diferente é discutida em menos de 300 páginas.
Diferente do livro anterior – que, apesar de bastante coerente, me pareceu mais um compilado de aprendizados do Mark Manson do que um livro sobre um tema específico –, em Fodeu Geral eu senti que todos os assuntos foram conectados de um jeito que te faz entender o porquê de cada um estar ali. Tudo é bem construído e amarrado; e, como se fosse uma história de ficção, você fica preso na narrativa do autor esperando o que vem depois.
Além disso, Mark tem um jeitinho encantador de falar coisas desconfortáveis na cara da gente; e ele começa o primeiro capítulo já nos presenteando com um pouco desse desconforto:
"Se eu trabalhasse no Starbucks, em vez de escrever o nome das pessoas no copo de café, eu colocaria o seguinte:
Um dia, você e todos que você ama vão morrer. E com exceção de um pequeno grupo de pessoas por um intervalo extremamente breve de tempo, pouco do que você fizer ou disser vai significar alguma coisa. Esta é a Verdade Desconfortável da vida. Tudo que você pensa ou faz não passa de uma forma elaborada de evitar isso. Somos poeiras estelares irrelevantes, que toparam em um pontinho azul e perambulam sem rumo por ele. Imaginamos nossa própria importância. Inventamos nosso propósito; não somos nada.
Aproveite seu maldito café."
Parece desanimador, né? Outra característica dos livros do Mark: no início eles parecem um poço de niilismo; o oposto de tudo que aprendemos como certo no que se refere à crescimento pessoal. Mas você vai ver que não é bem assim: o que ele faz é nos apresentar o niilismo, para depois poder argumentar contra ele. E você pode ler isso for free em um pedacinho do primeiro capítulo do livro, disponibilizado no site do autor, em inglês.
Esse tapa na cara, apesar de meio doído, sempre fez muito sentido para mim. Primeiro porque, como agnóstica, eu considero que tudo o que existe na Terra nada mais é do que poeira de estrelas; e acho esse conceito, ao mesmo tempo, meio triste e encantador. Segundo porque, de vez em quando, eu me pego refletindo sobre o sentido de ainda sentirmos coisas como vergonha e medo de fazer algo novo ou arriscado, considerando a grandiosidade do universo e o fato de que, daqui a algumas décadas, nós e todos que conhecemos estarão mortos.
Achei interessante acompanhar a construção de um raciocínio em cima dessa ideia. Mark a usa como start para construir sua narrativa sobre esperança e sobre o porquê de, apesar de os tempos atuais serem, historicamente, a melhor época para se viver, ainda sentimos que tudo está uma merda.
"Algo que muita gente não entende é que o oposto de felicidade não é tristeza ou raiva. Estar triste ou com raiva significa que você ainda não ligou o foda-se para pelo menos alguma coisa. Significa que tem algo aí que ainda importa. Significa que você ainda tem esperança.
Não, o oposto de felicidade é desesperança, um horizonte cinza infinito de resignação e indiferença. É quando acreditamos que “fodeu geral”, então para que fazer qualquer coisa?
A desesperança é um niilismo frio e desolador, uma sensação de que não há objetivo, então que se dane tudo. É a Verdade Desconfortável, uma percepção incômoda de que, em face ao infinito, tudo com que poderíamos nos importar chega a ser praticamente nada."
Essa frase, o oposto de felicidade é desesperança, me chamou atenção porque eu consegui me identificar com esse sentimento. Houve uma fase da minha vida, há uns 3 anos atrás, em que um acontecimento meio traumático me deixou nesse limbo por vários meses. Eu me lembro de sentir desespero, desesperança, mais do que raiva ou tristeza – e esse foi o período mais difícil que já vivi até hoje. Hoje em dia eu já superei e, de certa forma, sou grata por ele porque, como veremos mais adiante, as nossas dores são a única constante da vida, e passar por elas nos torna pessoas melhores.
Passando um pouco mais adiante – já que infelizmente eu não posso copiar o livro todo aqui para você* –, vamos à outro tema abordado no livro: a forma como nosso cérebro funciona e o porquê de fazermos (ou não fazermos) qualquer coisa.
"Só a emoção nos faz agir. Isso porque ação é emoção. A emoção é o sistema hidráulico biológico que impulsiona o movimento do corpo. O medo não é algo mágico que nosso cérebro inventa. Não, ele de fato acontece no corpo. É o aperto no estômago, a tensão nos músculos, a descarga de adrenalina, o desejo opressivo por espaço. A raiva impele o corpo ao movimento. A ansiedade o leva a se retrair. A alegria acende os músculos da face, ao passo que a tristeza tenta encobrir nossa existência. Emoção inspira ação. Ação inspira emoção. As suas são inseparáveis.
Assim chegamos à mais simples e mais óbvia resposta para a maior questão de todos os tempos: por que não fazemos as coisas que sabemos que temos que fazer?
Porque não estamos a fim.
Todo problema de autocontrole não é um problema de informação, disciplina ou razão, mas de emoção. Autocontrole é um problema emocional; preguiça é um problema emocional; procrastinação é um problema emocional; baixo rendimento é um problema emocional; impulsividade é um problema emocional.
(…)
A gente sabe que deveria parar de fumar ou de ingerir açúcar ou de falar mal dos amigos pelas costas, mas continuamos fazendo. E não é por falta de noção, é por falta de vontade."
Me fala se isso aqui não é uma daquelas coisas que te parecem óbvias – agora que alguém colocou o assunto na mesa –, mas que você nunca tinha parado para analisar?
Não existe nada mais simples do que ter o conhecimento teórico sobre alguma coisa: sabemos que devemos nos alimentar melhor; sabemos que devemos fazer exercícios regularmente; sabemos que devemos parar de procrastinar e fazer um pouquinho de trabalho por dia para não estourar prazos. Quando deixamos de fazer essas coisas, não é porque não sabíamos como, mas sim pela forma como nos sentimos em relação à elas, pelos sentimentos que associamos à cada uma.
"A felicidade é a sensação de estar livre de dor, enquanto a culpa é a sensação de que você merecia uma dor nunca chegou."
Uma das principais teses desse livro: Mark defende que a dor é a própria experiência da vida. Vivemos momentos de alívio ou de acentuação da dor, e precisamos dela para formar nosso valores como seres humanos. Nunca tinha visto a culpa ser abordada desse ponto de vista, e a simplicidade dessa ideia me surpreendeu.
"A única forma de mudar nossos valores é ter experiências contrárias. E qualquer tentativa de se livrar deles por meio da experiência novas ou contraditórias inevitavelmente causará dor e desconforto. É por isso que não existe mudança sem dor, crescimento sem desconforto. Isso explica por que é impossível se tornar alguém novo sem antes sofrer a perda da pessoa que você era."
Aqui me chamou atenção essa última frase: é impossível se tornar alguém novo sem antes sofrer a perda da pessoa que você era. Durante a maior parte da minha vida, eu acreditei que era de uma certa forma; que certas coisas não eram para mim, como se eu fosse imutável e estivesse fadada a permanecer sempre igual.
Hoje vejo como, na verdade, eu provavelmente estava evitando sentir dor e desconforto, ainda que inconscientemente. Estudar desenvolvimento pessoal e me envolver com pessoas grandiosas me fez entender esse conceito de que, sem dor, não há transformação; e ler sobre isso me faz enxergar melhor como funciona esse processo de crescimento e metamorfose.
"O corpo humano pode funcionar de uma forma ou de outra, dependendo de como você faz uso dele. Se você levanta a bunda da cadeira e sai em busca de dor, o corpo se torna antifrágil, ou seja, quanto mais estresse e dificuldade você faz ele passar, mais forte ele fica. O desgaste do corpo através de exercícios e trabalhos físicos aumenta os músculos e sua densidade óssea, melhora a circulação sanguínea e te deixa com uma bunda ótima. Mas se você foge do estresse e da dor (ou seja, se fica o dia todo no sofá assistindo à Netflix), seus músculos se atrofiam, seus ossos ficam fracos e você se degenera e enfraquece.
(…)
Quando evitamos a dor, quando fugimos do estresse e do caos e da tragédia e da desordem, nos tornamos frágeis. Nossa tolerância para problemas diários diminui, e nossa vida precisa diminuir na mesma proporção para que só tenhamos que lidar com o pedacinho de mundo que somos capazes de digerir por vez."
Aqui entra minha parte fitchata. Estou longe de ser musa fitness – na verdade o meu negócio mesmo é um belo hambúrguer –, mas eu tenho sentido na pele as transformações físicas e mentais causadas pela prática de atividade física. Então me tornei quem eu mais temia e hoje prego a palavra da academia para as pessoas, porque sei que a dor do exercício torna a gente melhor.
Mas esse trecho do livro é só um exemplo de um dos conceitos apresentados pelo autor, a antifragilidade. Ele defende que essa é a forma que temos para nos tornar mais tolerantes às dores da vida e para enxergamos as coisas por um outro prisma – já que nossas tendências emocionais e expectativas é que ditam a forma como percebemos o mundo, e não o contrário.
"Sempre brinco que sou um “guru de autoajuda adepto do ódio-próprio”. Fato é que considero grande parte dela [a indústria de autoajuda] uma furada e acho que a única forma de melhorar a vida não é se sentindo bem mas, na verdade, aprendendo a se sentir mal."
E, para finalizar, uma breve explicação do próprio Mark sobre as suas ideias “controversas” de autoajuda. Todo o seu material – seus livros, seus artigos –, defende essa ideia principal: a de que, para viver bem, não devemos buscar mais alegria, mais prazer, mas sim buscar aceitar as coisas como são e fazer o melhor que pudermos com aquilo que temos. Aceitar que a vida é baseada em dor e que isso não é necessariamente ruim.
Em resumo, essa foi uma das melhores leituras que fiz nos últimos tempos. Adoro a forma como o autor expões as suas ideias e o fato dele se embasar em ciência e filosofia para explicar o sentido delas. Esse não é um livro de achismos, e todos os conceitos apresentados (sobre esperança, religião, fé, política, tecnologia, futuro) são conectados de forma coerente e envolvente.
Indo na contramão da maioria esmagadora dos livros e conteúdos de autoajuda, Mark Manson escreve de uma maneira muito crua e fiel à realidade sobre as nossas fraquezas e sobre os motivos de, para viver melhor, devermos buscar não a felicidade; mas as dores certas. Nada poderia fazer mais sentido.
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*Quem me segue no Instagram viu a quantidade de citações que eu grifei com marca-texto enquanto lia esse livro – hábito que adquiri depois do Kindle. Fui marcando com post-it os trechos mais interessantes para compartilhar aqui e, assim como na resenha anterior, fiz uma curadoria daquilo que achei mais relevante para falar a respeito. Não foi tarefa fácil, mas busquei trazer os pontos de maior impacto e espero ter conseguido transmitir um pouco do que senti com a leitura. :)
site: karinamatos.blog.br/fodeu-geral-resenha